Muito se tem comentado, no corrente ano, sobre a questão da obrigatoriedade de o docente cumprir o calendário escolar, com os duzentos dias letivos. Tal questão é levantada, de época em época, com maior ou menor ênfase, dependendo de fatores vários: muitos dias para repor, num mesmo ano, insatisfação com os salários e condições de trabalho, questões sindicais, posições político-partidárias, etc.
Atualmente, circula na rede um documento intitulado NENHUM PROFESSOR É OBRIGADO A COMPARECER À ESCOLA FORA DE SEU HORÁRIO DE TRABALHO, elaborado pela Secretaria de Legislação e Defesa dos Associados da Apeoesp. É um trabalho bem feito, com séria pesquisa e boa argumentação. Sensato, o próprio trabalho alerta os professores sobre a possibilidade de não haver sucesso numa eventual e futura ação. Merece todo o nosso respeito. A propósito, a Udemo sempre discordou do trabalho fora do horário normal, tendo inclusive se posicionado contrariamente ao Decreto n. 39.931/95. Portanto, não se trata de jogar professor contra diretor, mas de se entenderem, ambos, dentro de um sistema normativo. Essa questão, do “trabalho fora do horário”, deve levar em conta três pontos importantes: primeiro, não somos nós (Apeoesp e Udemo) que fazemos as leis; segundo, nós não somos o governo; terceiro, é necessário definir “horário de trabalho”. E aqui a coisa se complica. Nas escolas, horário de trabalho não é sinônimo de horário normal de aula; não é apenas o cumprimento da carga horária semanal, previamente estabelecida; não é somente o trabalho de segunda a sexta, excluídos, obrigatoriamente, o sábado e o domingo. Todo o trabalho, numa escola, é pautado, de um lado, no projeto pedagógico e, de outro, no calendário escolar. Ambos têm de ser cumpridos e atendidos, na sua totalidade.
Essa obrigatoriedade está expressa na LDB(Lei nº 9.394/96):
Artigo 12 – Os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as do seu sistema de ensino, terão a incumbência de:
Artigo 12 – Os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as do seu sistema de ensino, terão a incumbência de:
I - elaborar e executar sua proposta pedagógica;
III – assegurar o cumprimento dos dias letivos e horas-aula estabelecidas;
IV - velar pelo cumprimento do plano de trabalho de cada docente;
III – assegurar o cumprimento dos dias letivos e horas-aula estabelecidas;
IV - velar pelo cumprimento do plano de trabalho de cada docente;
Artigo 13 – Os docentes incumbir-se-ão de:
V – ministrar os dias letivos e horas-aula estabelecidos, além de participar integralmente dos períodos dedicados ao planejamento, à avaliação e ao desenvolvimento profissional;
Artigo 24 – A educação básica, nos níveis fundamental e médio, será organizada de acordo com as seguintes regras comuns:
I – a carga horária mínima anual será de oitocentas horas, distribuídas por um mínimo de duzentos dias de efetivo trabalho escolar, excluído o tempo reservado aos exames finais, quando houver;
No Estado de São Paulo, com relação a atividades de planejamento e avaliação, a que se refere o artigo 13 da LDB temos ainda o Estatuto do Magistério (LC 444/85):
Artigo 63 – O integrante do Quadro do Magistério tem o dever constante de considerar a relevância social de suas atribuições mantendo conduta moral e funcional adequada à dignidade profissional, em razão da qual, além das obrigações previstas em outras normas, deverá:
XV – participar do processo de planejamento, execução e avaliação das atividades escolares;
As Normas Regimentais Básicas para as Escolas Estaduais (Par. CEE nº 67/98) estabeleceram, entre outros, tópicos de organização e funcionamento da escola estadual, definindo, inclusive, o conceito de “dia letivo”:
Artigo 6º - Cada escola deverá se organizar de forma a oferecer, no ensino fundamental e médio, carga horária mínima de 800 (oitocentas) horas anuais ministradas em, no mínimo, 200 (duzentos) dias de efetivo trabalho escolar, respeitada a correspondência, quando for adotada a organização semestral.
Artigo 6º - Cada escola deverá se organizar de forma a oferecer, no ensino fundamental e médio, carga horária mínima de 800 (oitocentas) horas anuais ministradas em, no mínimo, 200 (duzentos) dias de efetivo trabalho escolar, respeitada a correspondência, quando for adotada a organização semestral.
§ 1º - Consideram-se de efetivo trabalho escolar, os dias em que forem desenvolvidas atividades regulares de aula ou outras programações didático-pedagógicas, planejadas pela escola desde que contem com a presença de professores e a frequência controlada dos alunos.
Artigo 68 – Integram o corpo docente todos os professores da escola, que exercerão suas funções incumbindo-se de:
V – cumprir os dias letivos e carga horária de efetivo trabalho escolar, além de participar integralmente dos períodos dedicados ao planejamento, à avaliação e ao desenvolvimento profissional;
Nessa mesma linha, foi publicada a Resolução SE – 102/2003 dispondo sobre a organização e a forma de reposição de dias letivos não trabalhados e/ou de horas – aula não ministradas, a fim de perfazer os limites estabelecidos no inc. I do art. 24 da LDB.
Portanto, não há a menor dúvida de que o calendário escolar deve ser cumprido; e isso se sobrepõe à noção de dia de trabalho. Ou melhor, “dia de trabalho é aquele que consta do calendário escolar, original ou alterado”. Sejam aulas, reuniões ou quaisquer outras atividades previstas.
A inobservância dessa obrigatoriedade acarreta a todos (e não apenas ao professor) a consignação de “falta-aula” ou de “falta-dia”, nos termos do Decreto nº 39.931/95. Esse decreto é claro quanto à obrigatoriedade do comparecimento a eventos como reposição de aulas/dias letivos ou outras atividades de cunho pedagógico, realizadas em dias/turnos/períodos em que, pelo seu horário normal de trabalho, o professor não teria aulas.
Outro dado a ser observado é que a obrigatoriedade do cumprimento do calendário escolar independe da carga horária do professor. A quantidade de aulas, maior ou menor, define apenas o horário de trabalho do professor, sendo que a remuneração, qualquer que seja a sua carga horária, cobre todos os dias da semana.
É por essa razão que a contagem de tempo de serviço, para todos os fins e efeitos legais (aposentadoria, adicionais, sexta-parte, licença-prêmio, etc.), dá-se em dias corridos, mesmo que o professor não trabalhe todos os dias da semana (Art. 92 da LC 444/85).
No caso específico da necessidade de reposição de aulas/dias letivos, por qualquer motivo (suspensão de expediente pelo Governador, problemas físico-estruturais da escola, surtos epidêmicos, greves, interdição ou ocupação do prédio escolar por ordem judicial, etc.), há um padrão de procedimentos que consiste nos seguintes critérios alternativos (principalmente para as greves):
1) se o professor teve faltas consignadas, relativamente às aulas não ministradas e aos dias não trabalhados, ele não é obrigado a fazer a reposição correspondente, caso em que será contratado outro docente. Repondo, ele será devidamente remunerado e as faltas poderão ser retiradas, se houver acordo com a Secretaria de Educação.
2) se o professor não teve faltas consignadas, ele é obrigado a repor. Não repondo, terá as faltas consignadas nos dias/aulas programados para a reposição, com o correspondente desconto na remuneração.
Ressalte-se que nenhum professor poderá ser duplamente penalizado pelo mesmo fato, ou seja, duas faltas pela mesma aula ou pelo mesmo dia não trabalhado.
Com relação ao artigo 91 da LC 444/85, há um outro entendimento:
Artigo 91 – Consideram-se efetivamente exercidas as horas-aula e/ou as horas-atividade que o docente deixar de prestar por motivo de férias escolares, suspensão de aulas por determinação superior, recesso escolar e de outras ausências que a legislação considere como de efetivo exercício para todos os efeitos legais.
Administrativamente, esse artigo tem a sua redação justificada exclusivamente para fins de pagamento.
Não se pode afirmar que esse artigo manda considerar trabalhado o dia em que não se trabalhou. Nenhuma interpretação da lei pode levar ao absurdo. Além disso, já mostramos que o calendário escolar - de cumprimento obrigatório - vincula-se ao projeto pedagógico da escola. Sem as aulas, como ficaria esse projeto?
Ainda do ponto de vista administrativo, todos aqueles que trabalham na escola têm a sua retribuição mensal fixada com base em cinco semanas (Art. 35 da LC 836/97), inclusive no mês de fevereiro. Esse arredondamento, para mais, enseja à Administração a convocação dos professores e servidores nos termos que vimos aqui expondo.
Portanto, respeitando a opinião e os argumentos da nossa colega, a Apeoesp, somos obrigados, em parte, a discordar das suas conclusões.
Conforme procuramos esclarecer, a discordância está na definição de “horário de trabalho”. Para a Apeoesp, horário de trabalho são os dias da semana e as horas em que o professor ministra suas aulas, regularmente. Toda excepcionalidade seria tratada como dia efetivamente trabalhado. Inclusive a greve, se a sua reposição tivesse de ser feita aos sábados. Para a Udemo, horário de trabalho é aquele que consta do calendário escolar, original ou alterado, sejam aulas normais, reposições, reuniões ou quaisquer outras atividades previstas, inicialmente, ou acrescentadas, posteriormente.
Na verdade, todo esse problema foi gerado, no Estado de São Paulo, por uma interpretação restritiva da LDB. Em vez de adotar a expressão e o conceito de “dia de efetivo trabalho escolar” no calendário, São Paulo optou por “dia letivo”. Portanto, em São Paulo, o calendário escolar deverá ter um mínimo de 200 dias letivos (“com a presença de professores e a frequência controlada dos alunos”), e não 200 dias de efetivo trabalho escolar. Adotando esse conceito, o calendário ficou muito apertado, pois as reuniões de planejamento e replanejamento, conselho de escola, conselhos de classe/série, e APM não são considerados dias letivos, embora, pela LDB, pudessem ser considerados dias de efetivo trabalho escolar.
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