ASSMANN, Hugo
METÁFORAS NOVAS PARA REENCANTAR A EDUCAÇÃO EPISTEMOLOGIA E DIDÁTICA
Hugo Hassmann
RESENHA
O autor inicia sua obra, analisando os vários aspectos importantes relacionados com a qualidade cognitiva e social da educação. Ele afirma que o processo educacional, a melhoria pedagógica e o compromisso social têm que caminhar juntos, e que um bom ensino da parte dos docentes não é sinônimo automático de boa aprendizagem por parte
dos alunos, ou seja, que há uma pressuposição equivocada de que uma boa pedagogia se resume num bom ensino. De acordo com o autor é imprescindível melhorar qualitativamente o ensino nas suas formas didáticas e na renovação e atualização constante dos conteúdos. Ele define que educar não é apenas ensinar, mas criar situações de aprendizagem nas quais todos os aprendentes possam despertar, mediante sua própria experiência do conhecimento.
Este explica que a escola não deve ser concebida como simples agência repassadora de conhecimentos prontos,mas como contexto e clima organizacional propício à iniciação em vivências personalizadas do aprender a aprender. A flexibilidade é um aspecto cada vez mais imprescindível de um conhecimento personalizado e de uma ética social democrática.
O conhecimento virou tema obrigatório. Fala-se muito em sociedade do conhecimento e agora também em sociedade aprendente. É importante saber decodificar criticamente e encarar positivamente o desafio pedagógico expressado numa série de novas linguagens.
Toda educação implica em doses fortes de instrução, entendimento e manejo de regras, e reconhecimento de saberes já acumulados pela humanidade. Embora importante essa instrução não é o aspecto fundamental da educação, já que este reside nas vivências personalizadas de aprendizagem que obedecem à coincidência básica entre processos vitais e processos cognitivos.
No mundo atual, o aspecto instrucional da educação já não consegue dar conta da profusão de conhecimentos disponíveis e emergentes mesmo em áreas específicas. Por isso, esta não deveria preocupar-se tanto com a memorização dos saberes instrumentais, privilegiando a capacidade de acessa-los, decodifica-los e maneja-los. O aspecto instrucional deveria estar em função da emergência do aprender, ou seja, da morfogênese personalizada do conhecimento. Isso pode ser ilustrado, por exemplo, com a visão da memória como um processo dinâmico.
É preciso substituir a pedagogia das certezas e dos saberes pré-fixados por uma pedagogia da pergunta, do melhoramento das perguntas e do acessamento de informações. Em pedagogia da complexidade, que saiba trabalhar com conceitos transversáteis, abertos para a surpresa e o imprevisto.
O reencantamento da educação requer a união entre sensibilidade social e eficiência pedagógica. Portanto, o compromisso ético-político do/a educador/a deve manifestar-se primordialmente na excelência pedagógica e na colaboração para umc lima esperançador no próprio contexto escolar.
Na segunda parte do livro ele fala da pós-modernidade e a globalização do mercado.
O objetivo desta reflexão é buscar a ponte entre pós-modernidade/pós-modernismo e didática. O pós-moderno é uma certa valorização da razão lúdica. Por algo a teoria de jogos é parte substancial da engenharia de sistemas cognitivos complexos. O pós-moderno é também um convite a relaxar, a não se levar tão a sério.
O pós-modernismo é, sem dúvida a denúncia das fissuras da racionalidade moderna, mas é também a tentativa de reintroduzir a lógica nebulosa nas práticas culturais.
O marco referencial do debate pós-modernista, embora importante, é insuficiente para discutir e encarar os novos desafios da educação na situação pós-moderna. O debate pós-modernista geralmente não consegue sair do meio-de-campo, confuso e embolado, da crise das ciências humanas e sociais, onde o que mais se escuta são lamúrias nostálgicas em relação a redenções falidas.
Em meio ao acirramento competitivo, planetariamente globalizado, a educação se confronta como desafio de unir capacitação competente com formação humana solidária, já que hoje a escola incompetente se revela como estruturalmente reacionária por mais que veicule discursos progressistas. Juntar as duas tarefas – habilitação competente e formação solidária – ficou sumamente difícil, porque a maioria das expectativas do meio circundante (mercado competitivo) se volta quase exclusivamente para a demanda da eficiência (capacidade competitiva).
Na terceira parte, ele discute as novas metáforas sobre o conhecimento e fala sobre o final de um ciclo nas estratégias educacionais.
O ciclo que termina concentrou-se, por década, no aumento quantitativo da oferta escolar. Escolas por todo lado, tendência à universalização do acesso à escola enquanto espaço disponível. Nisso houve bastante êxito. A ênfase prioritária dessa fase (aumento quantitativo) sobrevive, como um eco interpelativo, no mote: educação para todos. Mas agora a ênfase se desloca do quantitativo para o qualitativo. Daí o exuberante discurso sobre a qualidade, inscrito no que se passou a chamar nova estratégia educacional.
Permanece, por um lado, a preocupação por atender, em termos quantitativos, a demanda reprimida ou nem se quer ativada. Diz-se, porem, que faltou, no ciclo anterior, o vinculo dessa expansão escolar comas exigências de modernização do processo produtivo, especialmente em dois aspectos: aquisição de um colchão básico de competências flexíveis e multi-adaptáveis e concentração no eixo científico técnico, que se diz estar comandando a dinâmica dos ajustes requeridos para o crescimento econômico.
Passa-se, por isso, a cobrar a ponte entre a escola e uma capacitação básica e flexível diante de um mercado de trabalho cada vez mais exigente no que se refere à versatilidade adaptativa do trabalhador e ao acompanhamento atualizado dos avanços científico-técnicos. Daí a ênfase conjunta em cidadania e capacidade competitiva, qualidade e produtividade; em suma, cidadania competitiva e criatividade produtiva. Não há como ignorar que, nessa proposta,há muita quarta parte ele discorre sobre a qualidade vista desde o pedagógico, afirmando que no futuro ninguém sobreviverá, em meio à competitividade crescente do mercado, sem uma educação fundamental que lhe entregue os instrumentos para a satisfação de suas necessidades básicas de aprendizagem no que se refere a competências mínimas e flexíveis. No fundo, é a isso que se refere à questão da qualidade. E é também para isso que convergem os interesses, ainda incipientes e ambíguos, que setores do empresariado começam a demonstrar numa verdadeira universalização da educação básica.
Enquanto já acontecem, inegavelmente, algumas manobras poderosas para instaurar uma verdadeira cruzada em favor da educação pela/para a qualidade, e até se chega a falar pomposamente em pedagogia da qualidade,muitos persistem em ignorar o fato, ou o têm como insignificante, ou ainda o consideram um banal modismo passageiro.
As linguagens sobre qualidade funcionam, hoje, como território ocupado. Já não estão livres e disponíveis para dizer com elas o que talvez desejaríamos. Muitos ainda não se deram conta do fato de que o discurso sobre a qualidade se encontra, agora, aprisionado dentro de um campo de significação bem determinado. E, pelo menos por algum tempo, não será fácil arranca-lo de lá e liberta-lo para outros sentidos.
A referência central para conferir se um tipo de educação está atingindo níveis aceitáveis de qualidade é obviamente o processo pedagógico em si mesmo. E o cerne do processo pedagógico deve ser localizado nas experiências do prazer de estar conhecendo, nas experiências de aprendizagem que são vividas como algo que faz sentido para as pessoas envolvidas e é humanamente gostoso, embora possa implicar também árduos esforços. Não basta melhorar a qualidade do ensino, a questão de fundo é melhorar a qualidade das experiências de aprendizagem.tos aspectos irrecusáveis, assim como os há carregado de ambigüidade.
Neste sentido, para refletir sobre a qualidade de um processo educativo, nossa atenção deveria voltar-se, antes de tudo, para o problema seguinte: como criar melhores situações de aprendizagem, melhores contextos cognitivos, melhor ecologia cognitiva e melhores interações geradoras da vibração bio-psico-energética do sentir-se como alguém que está aprendendo.
Na quinta e última parte, o autor, relaciona a questão da cidadania com a exclusãosocial.
Ele diz que o maior desafio ético da atualidade e, neste sentido, o fato maior desse nosso tempo é, sem dúvida, a presença de uma estarrecedora lógica da exclusão do mundo de hoje. Grandes contingentes da população mundial passam ao rol de “massa sobrante” e faltam as decisões políticas necessárias para uma efetiva dignificação de suas vidas.
O fascínio e a manipulabilidade da linguagem sobre a cidadania faz com que ninguém dê mostras de querer desistir dela. Por mais que se trivialize e banalize, continua inegavelmente importante, embora o processo de expropriação dessa linguagem pelos setores mais conservadores tenha avançado assustadoramente.
Cidadania não pode significar mera atribuição abstrata, ou apenas formalmente jurídica, de um conjunto de direitos e deveres básicos, comuns a todos os integrantes de uma nação, mas deve significar o acesso real, em juridicamente exigível, ao exercício efetivo desses direitos e ao cumprimento desses deveres. Não há, pois, cidadania sem a exigibilidade daquelas mediações históricas que lhe confira conteúdo no plano da satisfação das necessidades e dos desejos, correspondentes àquela noção de dignidade humana que seja estendível a todos num contexto histórico determinado.
A mediação histórica fundamental da cidadania básica é o acesso seguro aos meios para uma existência humana digna. Daí a correlação estreita entre cidadania e trabalho(no sentPara o trabalhador e seus dependentes, a cidadania se alicerça no direito ao trabalho.
Salta à vista que a questão do emprego, de todos os modos, permanece como um dos elos básicos entre cidadania e lógica da exclusão.
CONCLUSÃO
O livro é um conjunto de reflexões integradas e direcionadas aos vários aspectos que possam interferir na qualidade do processo educacional. O autor demonstra que está havendo uma série de descobertas fascinantes acerca de como se dá a experiência do conhecimento na vida das pessoas. Este fundamenta a convicção de que hoje estamos em condições de entender melhor a relação indissolúvel entre processos vitais e processos de conhecimento, não apenas no sentido do ditado “vivendo e aprendendo”, mas num sentido mais profundo que nos leva a compreender que a própria vida se constitui intrinsecamente mediante processos de aprendizagem.
Ao longo do livro, ASSMANN mostra-se que a complexidade deve transformar-se num principio pedagógico pela simples razão de que, os docentes devem estar atentos às formas complexas que assumem, na vida dos aprendentes, essa relação intrínseca entre os processos vitais e processos do conhecimento. Nesta perspectiva acredita-se em reformas curriculares no ensino universitário brasileiro, que efetivamente possam contribuir com a formação de profissionais.
REFERÊNCIA
ASSMANN, H. Metáforas novas para reencantar a Educação Epistemologia e Didática. 2ª edição – Editora
UNIMEP, 1998.ido de emprego justamente remunerado) na visão até hoje comum dessa temática.
CANDIDO, Antonio. Literatura e Sociedade.
Crítica e Sociologia
O autor Antônio Cândido preza por uma análise sistemática acerca da contribuição das ciências sociais para com o estudo literário, não esquecendo de atribuir importância à crítica literária pura e simples. O que se deve buscar, segundo ele, é “(...) que se efetue a operação difícil de chegar a um ponto de vista objetivo, sem desfigurá-la de um lado nem de outro” (CANDIDO, página 13). Defende uma complementaridade entre as divergentes áreas, analisando o vínculo entre a obra e o ambiente, não deixando de lado a análise estética do relato literário. “O externo (no caso, o social) importa, não como causa, nem como significado, mas como elemento que desempenha um certo papel na constituição da estrutura, tornando-se assim, interno” (CANDIDO, página 14).
O que importa é uma abordagem que encare a obra literária como um conjunto de fatores sociais que atuem sobre a formação da mesma (além da influência que a mesma exerce no meio social a que pertence, depois de concluída e divulgada). O fator social não disponibiliza apenas as matérias, mas também atua na constituição do que há de essencial na obra enquanto obra de arte. Deve-se perceber a literatura como um todo indissolúvel, fruto de um tecido formado por características sociais distintas, porém complementares.
Apontar as dimensões sociais de um livro (referências a lugares, datas, manifestações de determinados grupos sociais presentes na estória, etc) é tarefa de rotina, não bastando assim para definir um caráter sociológico de estudo. Deve-se partir de uma análise das relações sociais, para aí sim compreendê-las e estudá-las em um nível sociológico mais profundo, levando-se em conta a estrutura formada no livro. Diz o autor: “Quando fazemos uma análise desse tipo, podemos dizer que levamos em conta o elemento social, não exteriormente, como referência que permite identificar, na matéria do livro, a expressão de uma certa época ou de uma sociedade determinada; nem como enquadramento, que permite situá-lo historicamente; mas como fator da própria construção artística, estudado no nível explicativo e não ilustrativo” (CANDIDO, páginas 16 e 17). Não é a literatura por ela mesma, mas pelo social. Assim, pode-se sair de uma análise sociológica periférica e sem fundamentos, não se limitando a uma referência à história sociologicamente orientada. Tudo faz parte de um “fermento orgânico” (CANDIDO, página 17), onde a diversidade se torna coesa e possibilita um estudo mais aprofundado e estruturado em bases históricas, sociológicas e críticas. Segundo esta ótica, o ângulo sociológico adquire uma real validade científica (inserida em um contexto social real). “Uma crítica que se queira integral deixará de ser unilateralmente sociológica, psicológica ou lingüística, para utilizar livremente os elementos capazes de conduzirem a uma interpretação coerente. Mas nada impede que cada crítico ressalte o elemento da sua preferência, desde que o utilize como componente da estruturação da obra” (CANDIDO, página 17). Tende-se assim a uma pesquisa mais concreta.
Antônio Cândido atenta também para um perigo comum, que seria o fato de muitos estudiosos atribuírem integridade e autonomia às obras que estudam além dos limites cabíveis, resultando assim em uma maior interiorização da obra (a obra por ela mesmo e nada mais), fazendo com que, por exemplo, fatores históricos entrassem e detrimento na pesquisa. Em suma, o autor carioca diz que “(...) convém evitar novos dogmatismos” (CANDIDO, página 18), e que não podemos “dispensar nem menosprezar disciplinas interdependentes como a sociologia da literatura e a história literária sociologicamente orientada, bem como toda a gama de estudos aplicados à investigação de aspectos sociais das obras” (CANDIDO, página 18).
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O autor enumera seis modalidades de estudos do tipo sociológico no campo literário, oscilando entre a sociologia , a história e a crítica de conteúdo:
1) Relacionamento do conjunto de uma literatura (um período, um gênero) com as condições sociais. Esta abordagem metodológica tradicional seria oriunda do século XVIII. Teria, como virtude, mapear uma ordem geral, um arranjo. Como defeito, traria dificuldades em mostrar a ligação entre as condições sociais e as obras. “(...) Como resultado decepcionante, uma composição paralela, em que o estudioso enumera os fatores (...), e em seguida fala das obras segundo as suas intuições ou os seus preconceitos herdados, incapaz de vincular as duas ordens de realidade” (CANDIDO, página 19).
2) Verificar a medida em que as obras espelham ou representam a sociedade, descrevendo seus vários aspectos. Seria a modalidade mais comum, consistindo em estabelecer correlações entre os aspectos reais e os que aparecem nos livros.3) Análise de cunho estritamente sociológico, consistindo no estudo da relação entre a obra e o público (isto é, o seu destino, a sua aceitação, a ação recíproca de ambos). Exploraria a função da literatura junto aos leitores, mediante a aceitação, ou não, da mesma.
4) Estudo da posição e função social do escritor, procurando relações entre sua posição e a natureza de sua produção literária, e ambas com a organização da sociedade. Nada mais é que a análise da situação e do papel destes intelectuais na formação da sociedade.5) Investigação da função política das obras e dos autores (em geral, atenderia a intuitos deológicos previamente determinados).
6) Investigação hipotética das origens, buscando uma essência particular (seja da literatura em geral, ou de determinados gêneros).
Cada tipo de abordagem decai sobre um ângulo específico. Segundo Antônio Cândido, acerca das escolhas metodológicas sociais a se trabalhar a literatura, “em todas nota-se o deslocamento da obra para os elementos sociais que formam a sua matéria, para as circunstâncias do meio que influíram na sua elaboração, ou para a sua função na sociedade” (CANDIDO, página 21). Não se nega o entrelaçamento de diversos fatores sociais nas obras literárias, mas, determinar se estes interferem diretamente nas características essenciais de determinada obra pode levar alguns estudiosos a um abismo difícil de se transpor.
O autor converge em opinião com o argumento de Adriana Facina ao dizer: “O primeiro passo (que apesar de óbvio dever ser assinalado) é ter consciência da relação arbitrária e deformante que o trabalho artístico estabelece com a realidade, mesmo quando pretende observá-la e transpô-la rigorosamente” (CANDIDO, página 22). O autor defende e justifica esse caráter distorcido da literatura ao afirmar que “esta liberdade, mesmo dentro da orientação documentária, é o quinhão da fantasia, que às vezes precisa modificar a ordem para torná-la mais expressiva de tal maneira que o sentimento da verdade se constitui no leitor graças a esta traição metódica. Tal paradoxo está no cerne do trabalho literário e garante a sua eficácia como representação do mundo. Achar, pois, que basta aferir a obra com a realidade exterior para entendê-la é correr o risco de uma perigosa simplificação causal” (CANDIDO, página 22).
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O social passa por um processo de interiorização em que o autor o reconstrói, elaborando-o de uma maneira estética diferenciada (não deixando de ser subjetiva e arbitrária). Determinadas visões específicas são o que delineiam a construção estética de um livro. Ainda, a “a criação, não obstante singular e autônoma, decorre de uma certa visão do mundo, que é fenômeno coletivo na medida em que foi elaborada por uma classe social, segundo o seu ângulo ideológico próprio” (CANDIDO, página 23). Desta forma, a hipótese primordial do autor é que há a invocação do fator social como um meio de explicação e estruturação da obra e de seu teor de idéias, fornecendo-lhe elementos para determinar a sua validade e o seu efeito sobre as massas leitoras que os absorvem. Porém, isto não se simplifica à mera dicotomia entre fatores internos e externos. “(...) Os elementos de ordem social serão filtrados através de uma concepção estética e trazidos ao nível da fatura, para entender a singularidade e a autonomia da obra” (CANDIDO, página 24). A obra pura e simples não significa um todo que se explica a si mesma, como um universo fechado (a obra é orgânica sim, mas não totalmente isolada do mundo).
A literatura e a vida social
1
Nesta parte de seu ensaio, o autor relativiza a contribuição das ciências socias ao estudo literário. “Do século passado aos nossos dias, este gênero de estudos tem permanecido insatisfatório, ou ao menos incompleto, devido à falta de um sistema coerente de referência, isto é, um conjunto de formulações e conceitos que permitam limitar objetivamente o campo de análise e escapar, tanto quanto possível, ao arbítrio dos pontos de vista. Não espanta, pois, que a aplicação das ciências sociais ao estudo da arte tenha tido conseqüências freqüentemente duvidosas, propiciando relações difíceis no terreno do método. Com efeito, sociólogos, psicólogos e outros manifestam às vezes intuitos imperialistas, tendo havido momentos em que julgaram poder explicar apenas com os recursos das suas disciplinas a totalidade do fenômeno artístico. Assim, problemas que desafiavam gerações de filósofos e críticos pareceram de repente facilmente solúveis, graças a um simplismo que não raro levou ao descrédito as orientações sociológicas e psicológicas, como instrumentos de interpretação do fato literário” (CANDIDO, página 27).
O poeta e escritor transformam tudo que passa por eles, combinado a realidade que absorvem com a própria percepção, devolvendo assim ao mundo uma interpretação própria e subjetiva, longe de ser um mero espelho refletor. Assim, deve-se pensar a influência exercida pelo meio social sobre a obra de arte, assim como a influência que a própria obra exerce sobre o meio. A arte pode então, ser uma expressão da sociedade, não deixando de se considerar o teor de seu aspecto social, ou seja, o quanto ela está interessada nos problemas sociais. A partir do século XVIII, a literatura passa a ser também um produto social, já que expressa condições de cada civilização em que se forma. Chegou-se até a pensar até que medida a arte expressa a realidade, já que descreve modos de vida e interesses de determinadas classes, não satisfazendo assim uma interpretação plena da sociedade.
A análise do conteúdo social de uma obra segue mais como uma afirmação de princípios do que uma hipótese de investigação, já que um desenrolar negativo desta perspectiva de pesquisa sugere a uma condenação destas obras que não corresponderiam aos valores de suas respectivas ideologias.
No geral, a arte é social nos dois sentidos: tanto receptiva quanto expressiva (isto não ocorrendo de maneira tão ativa, muito menos ainda passiva). Como diz o autor: “(...) depende da ação de fatores do meio, que se exprimem na obra em graus diversos de sublimação; e produz sobre os indivíduos um efeito prático, modificando a sua conduta e concepção do mundo, ou reforçando neles o sentimento dos valores sociais” (CANDIDO, página 30). Um método de pesquisa mais apropriado investir-se-ia na análise das influências reais exercidas pelos fatores socioculturais. Vários aspectos podem ser considerados neste processo, como por exemplo: a posição social do artista, a configuração dos grupos receptores, a forma e conteúdo da obra, a fatura da mesma e sua transmissão, entre outros. Antônio Candido aponta para “quatro momentos da produção, pois: a) o artista, sob o impulso de uma necessidade interior, orienta-se segundo os padrões da sua época, b)escolhe certos temas, c) usa certas formas e d) a síntese resultante age sobre o meio” (CANDIDO, página 31).
A arte pressupõe algo mais amplo que as vivências do artista, apesar dele se equipar com um arsenal oriundo da própria civilização para tematizar e formar sua obra, moldando-a sempre a um público alvo. O autor faz uma distinção categórica entre arte de agregação e arte de segregação. “A primeira se inspira principalmente na experiência coletiva e visa os meios comunicativos acessíveis. Procura, neste sentido, incorporar-se a um sistema simbólico vigente, utilizando o que já está estabelecido como forma de expressão de determinada sociedade. A segunda se preocupa em renovar o sistema simbólico, criar novos recursos expressivos e, para isto, dirige-se a um número ao menos inicialmente reduzido de receptores, que se destacam, enquanto tais, da sociedade” (CANDIDO, página 33).
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Tomando o autor, a obra e o público como os três principais elementos que fundamentam e possibilitam a comunicação artística, Antônio Cândido analisa como a sociedade define a posição e o papel do artista, como a obra depende de recursos técnicos para expor os valores propostos e, de que maneira se configuram os públicos. O link entre sociedade e arte não ocorre de maneira tão simples, trata-se sim de um viés de mão dupla. “A atividade do artista estimula a diferenciação de grupos; a criação de obras modifica os recursos de comunicação expressiva; as obras delimitam e organizam o público. Vendo os problemas sob esta dupla perspectiva, percebe-se o movimento dialético que engloba a arte e a sociedade num vasto sistema solidário de influências recíprocas” (CANDIDO, página 34).
A posição do artista
Averigua-se de que modo a posição social atribui um papel específico ao criador de arte. Isto envolve não apenas o artista individualmente, mas a formação de grupos de artistas. Há tempos que o caráter da criação rumava para uma imagem coletiva, concebendo ao povo, no conjunto, o verdadeiro criador da arte. “Hoje, está superada esta noção de cunho acentuadamente romântico, e sabemos que a obra exige necessariamente a presença do artista criador. O que chamamos arte coletiva é a arte criada pelo indivíduo a tal ponto identificado às aspirações e valores do seu tempo, que parece dissolver-se nele” (CANDIDO, página 34-35). Forças sociais condicionam a produção do artista, isto é fato, e “os elementos individuais adquirem significado social na medida em que as pessoas correspondem a necessidades coletivas. As relações entre o artista e o grupo resumem-se a um esquema simples: “em primeiro lugar, há necessidade de um agente individual que tome a si a tarefa de criar ou apresentar a obra; em segundo lugar, ele é ou não reconhecido como criador ou intérprete pela sociedade, e o destino da obra está ligada a esta circunstância; em terceiro lugar, ele utiliza a obra, assim marcada pela sociedade, como veículo de suas aspirações individuais mais profundas” (CANDIDO, página 35). A obra nasce da confluência da iniciativa individual com as condições sociais, o que levanta a questão de quais são os limites da autonomia criadora do artista, repensando assim sua função em meio a sociedade.
2) A configuração da obra
Uma obra só é realizada quando é configurada pelo artista e pelas condições sociais que determinam a sua posição. Valores sociais, ideologias e sistemas de comunicação transmudam-se na obra através do impulso de seu criador. “Os valores e ideologias contribuem principalmente para o conteúdo, enquanto as modalidades de comunicação influem mais na forma” (CANDIDO, página 40). Algo se transforma em elemento usufruído pela arte quando representa para um determinado grupo social algo singularmente prezado, o que garantiria assim certo impacto emocional. Um exemplo vem da fase bolchevista que, quando em ascendência, criou um tipo de romance coletivista, onde os protagonistas são substituídos pelo esforço anônimo das massas. Além dos valores, as técnicas de comunicação de que a sociedade dispõe influem na obra, em sua forma, e nas suas possibilidades de atuação no meio. A partir do momento em que a escrita triunfa como meio de comunicação, o panorama artístico se modifica drasticamente. “A poesia pura do nosso tempo esqueceu o auditor e visa principalmente a um leitor atento e reflexivo, capaz de viver no silêncio e na meditação o sentido do seu canto mudo” (CANDIDO, página 43).
Além disso, deve-se destacar a influência decisiva do jornal sobre a literatura, criando gêneros novos (crônicas) ou modificando outros já existentes (como o romance, por exemplo).
3) O público
Considerado pelo autor Antônio Candido como o alvo receptor da arte. Em sociedades primitivas era menos nítida a separação entre o artista e seu público. “O pequeno número de componentes da comunidade e o entrosamento íntimo das manifestações artísticas com os demais aspectos da vida social dão lugar seja a uma participação de todos na execução de um canto ou dança, seja à intervenção dum número maior de artistas, seja a uma tal conformidade do artista aos padrões e expectativas, que mal chega a se distinguir” (CANDIDO, página 44). Com o desenvolvimento das sociedades, artistas se distanciam de seu público, formando assim categorias diferentes, mas não menos conectadas quanto antes (só então pode-se falar em um público diferenciado, no sentido moderno). O artista direciona sua produção a um público, ao qual ele não conhece, mas que imagina, a uma “massa abstrata, ou virtual” (CANDIDO, página 45). Tal grupo exerce uma influência enorme sobre a produção que se vai originar por via do artista. Um exemplo são os autores que se ajustam às normas do romance comercial, tamanhos são seus desejos por fama e bens materiais (influência da indústria literária).
A técnica da escrita, também, fez com que um novo tipo de público se formasse, possuindo características próprias. Abre-se uma era onde predominam os públicos indiretos, de contatos secundários. “Mesmo quando pensamos ser nós mesmos, somos público, pertencemos a uma massa cujas reações obedecem a condicionantes do momento e do meio” (CANDIDO, página 46). A necessidade, insuspeitada por muitos, de aderir ao que nos parece distintivo de um grupo, seja ele majoritário ou minoritário, só acaba por reforçar esta nossa reação que se fixa no reconhecimento de um coletivo.
A AUTONOMIA DE PROFESSORES - CONTRERAS, José
José Contreras Domingo formou-se em Ciências da Educação na Universidade Complutense de Madri e tornou-se Doutor em Ciências da Educação pela Universidade de Málaga, onde foi professor de 1983 a 1992. Desde 1992, atua na Universidade de Barcelona, no Departamento de Didática e Organização Educacional. Escreveu as seguintes obras: Enseñanza, Curriculum y Profesorado. Introducción Crítica a la Didáctica. (Madri, 1990; 2ª ed. 1994), Models d’investigació a l’aula ( em co-autoria com Angel Pérez Gómez y Félix Ângulo Rasco). (Barcelona, Universitat Oberta de Catalunya, 1996) e La Autonomia Del Profesorado (Madri, 1997; 2ª ed. 1999). Contreras é membro dos Conselhos de Redação das revistas Investigación em la Escuela (Universidade de Sevilha), Temps d’Educació (Universidade de Barcelona), da revista eletrônica Heuresis (Universidade de Cádiz) e da seção em língua espanhola da revista eletrônica Education Policy Analysis Archives (Arizona State University).
Na apresentação à edição brasileira da obra A autonomia de professores, Selma Garrido Pimenta traça um rápido panorama do contexto social neoliberal no país e faz uma breve análise da trajetória profissional dos docentes, responsáveis por conduzir o processo ensino-aprendizagem na nova sociedade da informação e do conhecimento. Ressalta, assim, a importância e pertinência do tema para a reflexão dos educadores brasileiros.
II PARTE
Na obra em questão, Contreras discute a autonomia dos professores, conforme os múltiplos sentidos que o termo assume em diversos contextos, as concepções educativas aí defendidas e o papel desempenhado pelos professores em cada circunstância. Aprofunda o significado de autonomia, quanto ao seu papel em relação à educação e em relação à sociedade e anuncia, já na introdução, que acredita na parceria professores/sociedade unindo esforços em busca da conquista de sua autonomia conjunta.
III
A obra está dividida em três partes. Em um primeiro momento, o autor aborda o profissionalismo no ensino e analisa o debate sobre a proletarização do professor, as diferentes maneiras de compreender o que significa ser profissional e as ambigüidades e contradições escondidas na construção da profissionalidade. Na segunda parte, Contreras apresenta os três modelos tradicionais dessa profissionalidade – o professor como técnico, o ensino como uma profissão de caráter reflexivo e o papel do professor como intelectual crítico – com o objetivo de analisar as várias faces da autonomia em cada uma delas. Na última parte, o autor explicita o significado de autonomia em sentido amplo, alertando sobre a importância de se equilibrarem necessidades e condições de trabalho docente. Nesse sentido, Contreras ressalta ser fundamental considerarem-se não só as condições pessoais do professor, como também as condições estruturais e políticas em que a escola e a sociedade interagem, e como esses fatores influenciam a construção da autonomia profissional docente.
PARTE IV
Como era de se esperar, para analisar a temática da autonomia, Contreras não está só nesta empreitada teórica. Busca a contribuição de vários teóricos da educação, entre os quais citam-se: Smyth, Gimeno, Hargreaves, Gadamer, Schön, Bernstein, Apple, Fernández Enguita, Stenhouse, Popkewitz. Seja a abordagem de Stenhouse sobre o professor pesquisador ou Schön defendendo a perspectiva do professor reflexivo, Contreras transita com segurança entre a sua idéia e as várias convergências e divergências com os aludidos autores.
Um grande desafio proposto na obra “A autonomia de professores” refere-se aos modelos de participação pública na definição do currículo da escola. Especialmente, nas escolas públicas, os pais têm delegado à equipe escolar a competência de se definir o melhor currículo para seus filhos. Esse modelo requer um exercício constante, por parte dos professores, debatendo e, assim, contribuindo para a conscientização da família sobre esta responsabilidade compartilhada e nunca solitária. Outro exercício imprescindível, proposto pelo autor, é que o professor instigue a discussão, nas reuniões pedagógicas e nos conselhos de escola, sobre o novo sentido político que orientará as suas ações, na sala de aula.
PARTE V
Nesse percurso, o docente começará a refletir sobre o sentido de suas práticas e sobre a necessidade de se construir criticamente um novo trabalho intelectual a serviço da transformação social. Este é o ponto de partida para a emancipação pessoal e coletiva da sociedade.
À medida que o autor vai desenvolvendo suas idéias, didaticamente retoma capítulos anteriores. Por exemplo, ao encerrar o capítulo II, faz um breve resumo deste e do conteúdo abordado no capítulo I. Depois, ao explicitar as competências profissionais e debate social, dialoga com o leitor, apontando o resumo do percurso já trilhado, na obra, sobre a autonomia de professores (p. 212). Esse é um recurso interessante para manter vivo o raciocínio sobre o encadeamento do tema. Por outro lado, há um fator que pode dificultar a leitura do livro: os muitos erros de concordância, de acentuação, de regência, entre outros. Percebe-se que é necessário proceder a uma outra revisão do texto, uma vez que a obra, sendo tão rica em conteúdo, merece esta lapidação.
PARTE VI
Falar sobre a autonomia docente demanda conhecimento do tema e ousadia, pois, em um primeiro momento, tem-se a impressão de que o professor é a parte mais fraca nas relações de poder e que, por isso, não vai ser modificada a situação; por outro lado, serve como estímulo para que os professores se organizem. De qualquer forma , este contraste não apequenou a discussão; ao contrário, Contreras conseguiu discorrer sobre a autonomia de professores com muita sabedoria e visão crítica. Elucidou dúvidas, e, sobretudo, denunciou armadilhas e anunciou possibilidades de desfazê-las. Abriu caminhos para novas pesquisas. Assim, torna-se leitura obrigatória para estudantes das licenciaturas, da pedagogia e dos cursos de pós-graduação.
Edgar Morin: Os sete saberes necessários à educação
Publicado no Boletim da SEMTEC-MEC Informativo Eletrônico da
Secretaria de Educação Média e Tecnológica – Ano 1 – Número 4 – junho/julho de 2000
Introdução
Os sete saberes necessários à educação do futuro não têm nenhum programa educativo, escolar ou universitário. Aliás, não estão concentrados no primário, nem no secundário, nem no ensino universitário, mas abordam problemas específicos para cada um desses níveis. Eles dizem respeito aos setes buracos negros da educação, completamente ignorados, subestimados ou fragmentados nos programas educativos. Programas esses que, na minha opinião, devem ser colocados no centro das preocupações sobre a formação dos jovens, futuros cidadãos.
O Conhecimento
O primeiro buraco negro diz respeito ao conhecimento. Naturalmente, o ensino fornece conhecimento, fornece saberes. Porém, apesar de sua fundamental importância, nunca se ensina o que é, de fato, o conhecimento. E sabemos que os maiores problemas neste caso são o erro e a ilusão.
Ao examinarmos as crenças do passado, concluímos que a maioria contém erros e ilusões. Mesmo quando pensamos em vinte anos atrás, podemos constatar como erramos e nos iludimos sobre o mundo e a realidade. E por que isso é tão importante? Porque o conhecimento nunca é um reflexo ou espelho da realidade. O conhecimento é sempre uma tradução, seguida de uma reconstrução. Mesmo no fenômeno da percepção, através do qual os olhos recebem estímulos luminosos que são transformados, decodificados, transportados a um outro código, que transita pelo nervo ótico, atravessa várias partes do cérebro para, enfim, transformar aquela informação primeira em percepção. A partir deste exemplo, podemos concluir que a percepção é uma reconstrução.
Tomemos um outro exemplo de percepção constante: a imagem do ponto de vista da retina. As pessoas que estão próximas parecem muito maiores do que aquelas que estão mais distantes, pois à distância, o cérebro não realiza o registro e termina por atribuir uma dimensão idêntica para todas as pessoas. Assim como os raios ultravioletas e infravermelhos que nós não vemos, mas sabemos que estão aí e nos impõem uma visão segundo as suas incidências. Portanto, temos percepções, ou seja, reconstruções, traduções da realidade. E toda tradução comporta o risco de erro. Como dizem os italianos "tradotore/traditore".
Também sabemos que não há nenhuma diferença intrínseca entre uma percepção e uma alucinação. Por exemplo: se tenho uma alucinação e vejo Napoleão ou Júlio César, não há nada que me diga que estou enganado, exceto o fato de saber que eles estão mortos. São os outros que vão me dizer se o que vejo é verdade ou não. Quero dizer com isso que estamos sempre ameaçados pela alucinação. Até nos processos de leitura isto acontece. Nós sabemos que não seguimos a linha do que está escrito, pois, às vezes, nossos olhos saltam de uma palavra para outra e reconstroem o conjunto de uma maneira quase alucinatória. Neste momento, é o nosso espírito que colabora com o que nós lemos. E não reconhecemos os erros porque deslizamos neles. O mesmo acontece, por exemplo, quando há um acidente de carro. As versões e as visões do acidente são completamente diferentes, principalmente pela emoção e pelo fato das pessoas estarem em ângulos diferentes.
No plano histórico há erros, se me permitem o jogo de palavras, histéricos. Tomemos um exemplo um pouco distante de nós: os debates sobre a Primeira Guerra Mundial.Uma época em que a França e a Alemanha tinham partidos socialistas fortes, potentes e muito pacifistas, e que, evidentemente, eram contrários à guerra que se anunciava. Mas, a partir do momento em que se desencadeou a guerra, os dois partidos se lançaram, massivamente a uma campanha de propaganda, cada um imputando ao outro os atos mais ignóbeis. Isto durou até o fim da guerra. Hoje, podemos constatar com os eventos trágicos do Oriente Médio a mesma maneira de tratar a informação. Cada um prefere camuflar a parte que lhe é desvantajosa para colocar em relevo a parte criminosa do outro.
Este problema se apresenta de uma maneira perceptível e muito evidente, porque as traduções e as reconstruções são também um risco de erro e muitas vezes o maior erro é pensar que a idéia é a realidade. E tomar a idéia como algo real é confundir o mapa com o terreno.
Outras causas de erro são as diferenças culturais, sociais e de origem. Cada um pensa que suas idéias são as mais evidentes e esse pensamento leva a idéias normativas. Aquelas que não estão dentro desta norma, que não são consideradas normais, são julgadas como um desvio patológico e são taxadas como ridículas. Isso não ocorre somente no domínio das grandes religiões ou das ideologias políticas, mas também das ciências. Quando Watson e Crick decodificaram a estrutura do código genético, o DNA (ácido desoxirribonucléico) surpreenderam e escandalizaram a maioria dos biólogos, que jamais imaginavam que isto poderia ser transcrito em moléculas químicas. Foi preciso muito tempo para que essas idéias pudessem ser aceitas.
Na realidade, as idéias adquirem consistência como os deuses nas religiões. É algo que nos envolve e nos domina a ponto de nos levar a matar ou morrer. Lenin dizia: "os fatos são teimosos, mas, na realidade, as idéias são ainda mais teimosas do que os fatos e resistem aos fatos durante muito tempo". Portanto, o problema do conhecimento não deve ser um problema restrito aos filósofos. É um problema de todos e cada um deve levá-lo em conta desde muito cedo e explorar as possibilidades de erro para ter condições de ver a realidade, porque não existe receita milagrosa.
O Conhecimento Pertinente
O segundo buraco negro é que não ensinamos as condições de um conhecimento pertinente, isto é, de um conhecimento que não mutila o seu objeto. Nós seguimos, em primeiro lugar, um mundo formado pelo ensino disciplinar. É evidente que as disciplinas de toda ordem ajudaram o avanço do conhecimento e são insubstituíveis. O que existe entre as disciplinas é invisível e as conexões entre elas também são invisíveis. Mas isto não significa que seja necessário conhecer somente uma parte da realidade. É preciso ter uma visão capaz de situar o conjunto. É necessário dizer que não é a quantidade de informações, nem a sofisticação em Matemática que podem dar sozinhas um conhecimento pertinente, mas sim a capacidade de colocar o conhecimento no contexto.
A economia, que é das ciências humanas, a mais avançada, a mais sofisticada, tem um poder muito fraco e erra muitas vezes nas suas previsões, porque está ensinando de modo a privilegiar o cálculo. Com isso, acaba esquecendo os aspectos humanos, como o sentimento, a paixão, o desejo, o temor, o medo. Quando há um problema na bolsa, quando as ações despencam, aparece um fator totalmente irracional que é o pânico, e que, freqüentemente, faz com que o fator econômico tenha a ver com o humano, ligando-se, assim, à sociedade, à psicologia, à mitologia. Essa realidade social é multidimensional e o econômico é apenas uma dimensão dessa sociedade. Por isso, é necessário contextualizar todos os dados.
Se não houver, por exemplo, a contextualização dos conhecimentos históricos e geográficos, cada vez que aparecer um acontecimento novo que nos fizer descobrir uma região desconhecida, como o Kosovo, o Timor ou a Serra Leoa, não entenderemos nada. Portanto, o ensino por disciplina, fragmentado e dividido, impede a capacidade natural que o espírito tem de contextualizar. E é essa capacidade que deve ser estimulada e desenvolvida pelo ensino, a de ligar as partes ao todo e o todo às partes. Pascal dizia, já no século XVII: "não se pode conhecer as partes sem conhecer o todo, nem conhecer o todo sem conhecer as partes".
O contexto tem necessidade, ele mesmo, de seu próprio contexto. E o conhecimento, atualmente, deve se referir ao global. Os acidentes locais têm repercussão sobre o conjunto e as ações do conjunto sobre os acidentes locais. Isso foi comprovado depois da guerra do Iraque, da guerra da Iugoslávia e, atualmente, pode ser verificado com o conflito do Oriente Médio.
A Identidade Humana
O terceiro aspecto é a identidade humana. É curioso que nossa identidade seja completamente ignorada pelos programas de instrução. Podemos perceber alguns aspectos do homem biológico em Biologia, alguns aspectos psicológicos em Psicologia, mas a realidade humana é indecifrável. Somos indivíduos de uma sociedade e fazemos parte de uma espécie. Mas, ao mesmo tempo em que fazemos parte de uma sociedade, temos a sociedade como parte de nós, pois desde o nosso nascimento a cultura nos imprime. Nós somos de uma espécie, mas ao mesmo tempo a espécie é em nós e depende de nós. Se nos recusamos a nos relacionar sexualmente com um parceiro de outro sexo, acabamos com a espécie. Portanto, o relacionamento entre indivíduo-sociedade-espécie é como a trindade divina, um dos termos gera o outro e um se encontra no outro. A realidade humana é trinitária.
Eu acredito ser possível a convergência entre todas as ciências e a identidade humana. Um certo número de agrupamentos disciplinares vai favorecer esta convergência. É necessário reconhecer que, na segunda metade do século XX, houve uma revolução científica, reagrupando as disciplinas em ciências pluridisciplinares. Assim, há a cosmologia, as ciências da terra, a ecologia e a pré-história.
Por outro lado, as ciências da terra nos inscrevem neste planeta formado por fragmentos cósmicos, resultados de uma explosão de sóis anteriores. Resta saber como estes fragmentos reunidos e aglomerados puderam criar uma tal organização, uma auto-organização, para nos dar este planeta. É necessário mostrar que ele gerou a vida, e a nós somos, filhos da vida. A biologia, com a teoria da evolução, nos prova como trazemos dentro de nós, efetivamente, o processo de desenvolvimento da primeira célula vivente, que se multiplicou e se diversificou.
Quando sonhamos com nossa identidade, devemos pensar que temos partículas que nasceram no despertar do universo. Temos átomos de carbono que se formaram em sóis anteriores ao nosso, pelo encontro de três núcleos de hélio que se constituíram em moléculas e neuromoléculas na terra. Somos todos filhos do cosmos, mas nos transformamos em estranhos através de nosso conhecimento e de nossa cultura. Portanto, é preciso ensinar a unidade dos três destinos, porque somos indivíduos, mas como indivíduos somos, cada um, um fragmento da sociedade e da espécie Homo sapiens, à qual pertencemos. E o importante é que somos uma parte da sociedade, uma parte da espécie, seres desenvolvidos sem os quais a sociedade não existe. A sociedade só vive com essas interações.
É importante, também, mostrar que, ao mesmo tempo em que o ser humano é múltiplo, ele é parte de uma unidade. Sua estrutura mental faz parte da complexidade humana. Portanto, ou vemos a unidade do gênero e esquecemos a diversidade das culturas e dos indivíduos, ou vemos a diversidade das culturas e não vemos a unidade do ser humano. Esse problema vem causando polêmicas desde o século XVIII, quando Voltaire disse: "os chineses são iguais a nós, têm paixões, choram". E Herbart, o pensador alemão, afirmou: "entre uma cultura e outra não há comunicação, os seres são diferentes".
Os dois tinham razão, mas na realidade essas duas verdades têm que ser articuladas. Nós temos os elementos genéticos da nossa diversidade e, é claro, os elementos culturais da nossa diversidade.
É preciso lembrar que rir, chorar, sorrir, não são atos aprendidos ao longo da educação, são inatos, mas modulados de acordo com a educação. Heigerfeld fez uma observação sobre uma jovem surda-muda de nascença que ria, chorava e sorria. Atualmente, estudos demonstram que o feto começa a sorrir no ventre da mãe. Talvez porque não saiba o que o espera depois... Mas isso nos permite entender a nossa realidade, nossa diversidade e singularidade.
Chegamos, então, ao ensino da literatura e da poesia. Elas não devem ser consideradas como secundárias e não essenciais. A literatura é para os adolescentes uma escola de vida e um meio para se adquirir conhecimentos. As ciências sociais vêem categorias e não indivíduos sujeitos a emoções, paixões e desejos. A literatura, ao contrário, como nos grandes romances de Tolstoi, aborda o meio social, o familiar, o histórico e o concreto das relações humanas com uma força extraordinária. Podemos dizer que as telenovelas também nos falam sobre problemas fundamentais do homem; o amor, a morte, a doença, o ciúme, a ambição, o dinheiro. Temos que entender que todos esses elementos são necessários para entender que a vida não é aprendida somente nas ciências formais. E a literatura tem a vantagem de refletir sobre a complexidade do ser humano e sobre a quantidade incrível de seus sonhos.
Podemos, então, compreender a complexidade humana através da literatura. A poesia nos ensina a qualidade poética da vida, essa qualidade que nós sentimos diante de fatos da realidade. Como, por exemplo, os espetáculos da natureza: o céu de Brasília que é tão bonito. A vida não deve ser uma prosa que se faça por obrigação. A vida é viver poeticamente na paixão, no entusiasmo.
Para que isso aconteça, devemos fazer convergir todas as disciplinas conhecidas para a identidade e para a condição humana, ressaltando a noção de homo sapiens; o homem racional e fazedor de ferramentas, que é, ao mesmo tempo, louco e está entre o delírio e o equilíbrio, nesse mundo de paixões em que o amor é o cúmulo da loucura e da sabedoria.
O homem não se define somente pelo trabalho, mas também pelo jogo. Não só as crianças, como também os adultos gostam de jogar. Por isso vemos partidas de futebol. Nós somos Homo ludens, além de Homo economicus. Não vivemos só em função do interesse econômico. Há, também, o homo mitologicus, isto é, vivemos em função de mitos e crenças. Enfim o homem é prosaico e poético. Como dizia Hölderling: "O homem habita poeticamente na terra, mas também prosaicamente e se a prosa não existisse, não poderíamos desfrutar da poesia".
A Compreensão Humana
O quarto aspecto é sobre a compreensão humana. Nunca se ensina sobre como compreender uns aos outros, como compreender nossos vizinhos, nossos parentes, nossos pais. O que significa compreender?
A palavra compreender vem do latim, compreendere, que quer dizer: colocar junto todos os elementos de explicação, ou seja, não ter somente um elemento de explicação, mas diversos. Mas a compreensão humana vai além disso, porque, na realidade, ela comporta uma parte de empatia e identificação. O que faz com que se compreenda alguém que chora, por exemplo, não é analisar as lágrimas no microscópio, mas saber o significado da dor, da emoção. Por isso, é preciso compreender a compaixão, que significa sofrer junto. É isto que permite a verdadeira comunicação humana.
A grande inimiga da compreensão é a falta de preocupação em ensiná-la. Na realidade, isto está se agravando, já que o individualismo ganha um espaço cada vez maior. Estamos vivendo numa sociedade individualista, que favorece o sentido de responsabilidade individual, que desenvolve o egocentrismo, o egoísmo e que, consequentemente, alimenta a autojustificação e a rejeição ao próximo. A redução do outro, a visão unilateral e a falta de percepção sobre a complexidade humana são os grandes empecilhos da compreensão. Outro aspecto da incompreensão é a indiferença. E, por este lado, é interessante abordar o cinema, que os intelectuais tanto acusam de alienante. Na verdade, o cinema é uma arte que nos ensina a superar a indiferença, pois transforma em heróis os invisíveis sociais, ensinando-nos a vê-los por um outro prisma. Charlie Chaplin, por exemplo, sensibilizou platéias inteiras com o personagem do vagabundo. Outro exemplo é Coppola, que popularizou os chefes da Máfia com "O Chefão". No teatro, temos a complexidade dos personagens de Shakspeare: reis, gangsters, assassinos e ditadores. No cinema, como na filosofia de Heráclito: "Despertados, eles dormem". Estamos adormecidos, apesar de despertos, pois diante da realidade tão complexa, mal percebemos o que se passa ao nosso redor.
Por isso, é importante este quarto ponto: compreender não só os outros como a si mesmo, a necessidade de se auto-examinar, de analisar a autojustificação, pois o mundo está cada vez mais devastado pela incompreensão, que é o câncer do relacionamento entre os seres humanos.
A Incerteza
O quinto aspecto é a incerteza. Apesar de, nas escolas, ensinar-se somente as certezas, como a gravitação de Newton e o eletromagnetismo, atualmente a ciência tem abandonado determinados elementos mecânicos para assimilar o jogo entre certeza e incerteza, da micro-física às ciências humanas. É necessário mostrar em todos os domínios, sobretudo na história, o surgimento do inesperado.
Eurípides dizia no fim de três de suas tragédias que: "os deuses nos causam grandes surpresas, não é o esperado que chega e sim o inesperado que nos acontece". É a velha idéia de 2.500 anos, que nós esquecemos sempre.
As ciências mantêm diálogos entre dados hipotéticos e outros dados que parecem mais prováveis. Os processos físicos, assim como outros também, pressupõem variações que nos levam à desordem caótica ou à criação de uma nova organização, como nas teorias sobre a incerteza de Prigogine, baseadas nos exemplos dos turbilhões de Born. Analisando retroativamente a história da vida, constata-se que ela não foi linear, que não teve uma evolução de baixo para cima. A evolução segundo Darwin foi uma evolução composta de ramificações, a exemplo do mundo vegetal e o mundo animal. O homem vem de uma dessas ramificações e conseguiu chegar à consciência e à inteligência, mas não somos a meta da evolução, fazemos parte desse processo. A história da vida foi, na verdade, marcada por catástrofes.
As duas guerras mundiais destruíram muito na primeira metade do século XX. Três grandes impérios da época, por exemplo, o romano-otomano, o austro-húngaro e o soviético, desapareceram.
Isto nos demonstra a necessidade de ensinar o que chamamos de ecologia da ação: a atitude que se toma quando uma ação é desencadeada e escapa ao desejo e às intenções daquele que a provocou, desencadeando influências múltiplas que podem desviá-la até para o sentido oposto ao intencionado.
A história humana está repleta de exemplos dessa natureza. O mais evidente no final do século XX foi o projeto político de Gorbatchev, que pretendeu reformar o sistema político da União Soviética, mas acabou provocando o começo de sua própria desagregação e implosão.
Assim tem acontecido em todas as etapas da história. O inesperado aconteceu e acontecerá, porque não temos futuro e não temos certeza nenhuma do futuro. As previsões não foram concretizadas, não existe determinismo do progresso. Os espíritos, portanto, têm que ser fortes e armados para enfrentarem essa incerteza e não se desencorajarem.
Essa incerteza é uma incitação à coragem. A aventura humana não é previsível, mas o imprevisto não é totalmente desconhecido. Somente agora se admite que não se conhece o destino da aventura humana. É necessário tomar consciência de que as futuras decisões devem ser tomadas contando com o risco do erro e estabelecer estratégias que possam ser corrigidas no processo da ação, a partir dos imprevistos e das informações que se tem.
A Condição Planetária
O sexto aspecto é a condição planetária, sobretudo na era da globalização no século XX – que começou, na verdade no século XVI com a colonização da América e a interligação de toda a humanidade. Esse fenômeno que estamos vivendo hoje, em que tudo está conectado, é um outro aspecto que o ensino ainda não tocou, assim como o planeta e seus problemas, a aceleração histórica, a quantidade de informação que não conseguimos processar e organizar.
Este ponto é importante porque existe, neste momento, um destino comum para todos os seres humanos. O crescimento da ameaça letal se expande em vez de diminuir: a ameaça nuclear, a ameaça ecológica, a degradação da vida planetária. Ainda que haja uma tomada de consciência de todos esses problemas, ela é tímida e não conduziu ainda a nenhuma decisão efetiva. Por isso, faz-se urgente a construção de uma consciência planetária.
É necessária uma certa distância em relação ao imediato para podermos compreendê-lo. E, atualmente, dada a aceleração e a complexidade do mundo, é quase impossível. Mas, faz-se necessário ressaltar, é esta a dificuldade. É necessário ensinar que não é suficiente reduzir a um só a complexidade dos problemas importantes do planeta, como a demografia, ou a escassez de alimentos, ou a bomba atômica, ou a ecologia. Os problemas estão todos amarrados uns aos outros.
Daqui para frente, existem, sobretudo, os perigos de vida e morte para a humanidade, como a ameaça da arma nuclear, como a ameaça ecológica, como o desencadeamento dos nacionalismos acentuados pelas religiões. É preciso mostrar que a humanidade vive agora uma comunidade de destino comum.
A Antropo-ética
O último aspecto é o que vou chamar de antropo-ético, porque os problemas da moral e da ética diferem a depender da cultura e da natureza humana. Existe um aspecto individual, outro social e outro genético, diria de espécie. Algo como uma trindade em que as terminações são ligadas: a antropo-ética. Cabe ao ser humano desenvolver, ao mesmo tempo, a ética e a autonomia pessoal (as nossas responsabilidades pessoais), além de desenvolver a participação social (as responsabilidades sociais), ou seja, a nossa participação no gênero humano, pois compartilhamos um destino comum.
A antropo-ética tem um lado social que não tem sentido se não for à democracia, porque a democracia permite uma relação indivíduo-sociedade e nela o cidadão deve se sentir solidário e responsável. A democracia permite aos cidadãos exercerem suas responsabilidades através do voto. Somente assim é possível fazer com que o poder circule, de forma que aquele que foi uma vez controlado, terá a chance de controlar. Porque a democracia é, por princípio, um exercício de controle.
Não existe, evidentemente, democracia absoluta. Ela é sempre incompleta. Mas sabemos que vivemos em uma época de regressão democrática, pois o poder tecnológico agrava cada vez mais os problemas econômicos.
Na verdade, é importante orientar e guiar essa tomada de consciência social que leva à cidadania, para que o indivíduo possa exercer sua responsabilidade.
Por outro lado, a ética do ser humano está se desenvolvendo através das associações não-governamentais, como os Médicos Sem Fronteiras, o Greenpeace, a Aliança pelo Mundo Solidário e tantas outras que trabalham acima de entidades religiosas, políticas ou de Estados nacionais, assistindo aos países ou às nações que estão sendo ameaçadas ou em graves conflitos. Devemos conscientizar a todos sobre essas causas tão importantes, pois estamos falando do destino da humanidade.
Seremos capazes de civilizar a terra e fazer com que ela se torne uma verdadeira pátria? Estes são os sete saberes necessários ao ensino. E não digo isso para modificar programas. Na minha opinião, não temos que destruir disciplinas, mas sim integrá-las, reuni-las em uma ciência como, por exemplo, as ciências da terra (a sismologia, a vulcanologia, a meteorologia), todas elas articuladas em uma concepção sistêmica da terra.
Penso que tudo deva estar integrado para permitir uma mudança de pensamento; para que se transforme a concepção fragmentada e dividida do mundo, que impede a visão total da realidade. Essa visão fragmentada faz com que os problemas permaneçam invisíveis para muitos, principalmente para muitos governantes.
E hoje que o planeta já está, ao mesmo tempo, unido e fragmentado, começa a se desenvolver uma ética do gênero humano, para que possamos superar esse estado de caos e começar, talvez, a civilizar a terra.
EXAME NACIONAL DO ENSINO MÉDI0 (ENEM): FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICO- METODOLÓGICA
Brasília: Ministério da Educação/ Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (MEC/lnep), 2005 (p. 11 a 53)
Competências e habilidades: elementos para uma reflexão pedagógica
Lino de Macedo
O direito de todas as crianças percorrerem os ciclos que compõem a escola fundamental é uma conquista recente e importante. Está expresso, por exemplo, na Declaração dos Direitos Humanos 1948), no Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), em nossa atual Constituição Brasileira (1988) e, mais recentemente, na Lei de Diretrizes e Bases Educação Nacional (1996).
Com isso, pretende-se que a escola seja para os e que nela as crianças possam formar valores, normas e atitudes favoráveis à sua cidadania e dominarem competências e habilidades para o mun do trabalho e da vida social, nos termos em que hoje se expressam.
Nem sempre a escola foi aberta para todos. Tínhamos antes, como ainda temos agora, uma escola da excelência que seleciona, orienta, ensina e certifica apenas as pessoas que conseguem realiz ar tarefas e que apresentam uma conduta condi zente com o alto nível exigido por elas. Na escola para todos, por definição, as qualidades selecionadas e valorizadas na escola da excelência são refer ências ou qualidades desejadas, mas não definem o ponto de partida, nem a condição para a realiza ção do percurso. Na escola para todos, podem ent rar crianças com toda a sorte de limitações ou difi culdades. Seus pais, sua condição de vida, podem ter todas as combinações ou formas de expressão, não importando se isso será favorável ou não ao trabalho escolar. Na escola para todos, as dificulda des em realizar o percurso é motivo de investiga ção das estratégias, que complementam o ensino no horário regular das aulas, de revisão das condi ções que dificultam o aproveitamento escolar das crianças.
Vale insistir na distinção entre exercício e problema porque nas escolas e nos livros didáticos, problemas e exercícios são tratados como se fos sem equivalentes. Exercício é o repetir, como meio para uma outra finalidade. Problema é o que sur preende nesse exercício, é o novo, o que supõe in venção, criatividade, astúcia. É certo, também, que, dependendo da forma como é proposto, o exercício pode configurar um problema.
Um dos problemas mais difíceis hoje para os professores é o que se tem chamado de "gestão da sala de aula". Ou seja, a organização temporal e espacial das atividades, a seleção e manipulação dos materiais didáticos e a coordenação das ativi dades que dizem respeito aos alunos e professo res, visando ao ensino e à aprendizagem.
Os professores queixam-se de que os alunos não aprendem, fazem bagunça, são mal-educados, irreverentes. Queixam-se, também, da insuficiência de recursos para resolver esses problemas. Sen tem-se impotentes e desamparados. Proponho que competência seja entendida de três modos, muito interessantes e comuns.
Competência como condição prévia do sujeito, herdada ou adquirida. É comum definir competên cia como capacidade de um organismo. Saber res pirar, mamar, por exemplo, são capacidades herda das. Competência como condição do objeto, inde pendente do sujeito que o utiliza. Refere-se 'à com petência da máquina ou do objeto. Por exemplo, a competência ou habilidade de um motorista não tem relação direta com a potência de seu automóvel. Na escola, essa forma de competência está pre sente, por exemplo, quando julgamos um professor pela 'competência' do livro que adota, da escola em que leciona, do bairro onde mora. Competência re lacional. Essa terceira forma de competência é in terdependente, ou seja, não basta ser muito enten dido em uma matéria, não basta possuir objetos po tentes e adequados, pois o importante aqui é "como esses fatores interagem". A competência relacional expressa esse jogo de interações.
É comum na es cola um professor saber relatar bem um problema que está acontecendo em sala de aula, mas na pró pria aula não saber resolver situações relacionadas com a indisciplina, espaço ou tempo. necessariamente, pois se referem a dimensões diferentes e complementa res de uma mesma realidade. A diferença entre com petência e habilidade, em uma primeira aproxima ção, depende do recorte. Resolver problemas, por exemplo, é uma competência que supõe o domínio de várias habilidades. Calcular, ler, interpretar, to mar decisões, responder por escrito, etc., são exem plos de habilidades requeridas para a solução de problemas de aritmética. Mas, se saímos do con texto de problema e se consideremos a complexi dade envolvida no desenvolvimento de cada uma dessas habilidades, podemos valorizá-Ias como competências que, por sua vez, requerem outras tantas habilidades. Para dizer de um outro modo, a competência é uma habilidade de ordem geral, en quanto a habilidade é uma competência de ordem particular, específica.
Competência é o modo como fazemos conver gir nossas necessidades e articulamos nossas ha bilidades em favor de um objetivo ou solução de um problema, que se expressa num desafio, não redu tível às habilidades, nem às contingências em que certa competência é requerida.
O construtivismo de Piaget não é um método, mas refere-se a três princípios metodológicos. Mui tos métodos diferentes adotam princípios construti vistas. Autonomia como método pedagógico refere -se a permitir, despertar, favorecer, promover, valo rizar, exercitar o poder de pensar da criança.
O pen samento como uma possibilidade ou necessidade diferente da realização ou do aperfeiçoamento pro priamente dito daquilo a respeito do qual se pensa. Ser autônomo não é ser independente. Ser autôno mo é ser responsável pelo que se faz ou pensa.
Autonomia não é sinônimo de independência, por que nenhum de nós é independente. Ser autônomo é ser responsável pelos próprios atos e pensamen tos como método. Autonomia não é independência porque se expressa em um contexto relacional. A Autonomia é mais do que uma questão ética ou moral, é um princípio didático que supõe o desen volvimento de uma competência para ensinar com essa qualidade construtiva.
A aprendizagem significativa instaura novamen te na escola uma condição fundamental de nossa busca de conhecimento. Essa condição é a do de sejo, ou seja, do conhecimento como necessidade, algo que "falta ser", que ainda não é nos termos pretendidos ou aceitos pelo sujeito. No contexto da competência relacional, isso é interessante porque o desejo instaura-se como busca e como comple mentaridade. A busca supõe a devoção daquele que deseja. O construtivismo não se reduz a um méto do pedagógico em particular, ao menos na perspectiva de Piaget. Caracteriza-se por princípios ou propriedades que diferentes métodos podem ter.
A disponibilidade para a aprendizagem, ou seja, a condição ativa, significativa, é uma dessas propriedades, como mencionado. Há métodos de ensino que são envolventes, que formulam proje tos e que dão sentido ao que se faz na escola. O mesmo aplica-se a certos professores. Alguns pos suem características pessoais muito positivas, são envolventes, têm autoestima, são instigantes, es tão comprometidos com seu trabalho, gostam de crianças, sabem mobilizá-Ias, sabem dar sentido às atividades propostas. Em uma palavra, são com petentes. Há métodos competentes. Há professo res competentes.
Segundo Piaget, o método pedagógico que pro move a cooperação é mais construtivo do que um método que não a promove. Sem cooperação é muito difícil construir alguma coisa. A competência relaciona: é muito importante em uma visão cons trutivista do processo de aprendizagem escolar. Para essa visão, a interação caracteriza-se por trocas que podem gerar, por sua própria realização, uma ten são, uma perturbação.
Na visão construtivista, como em termos de competência relacional, não interessa o que marca as diferenças, mas o que as coordena. Há outras formas de interação em que o interessante é o que afasta, dificulta. Não o que. reconhecendo o impas se, constrói. Em uma sala de a a. todos podem, de algum modo, contribuir. aquele que fala ou realiza algo muito discrepante ou sem sentido pode O problema, de natureza relacional, é como sua participação. Mas, essa qualidade de pensar de forma relacional supõe autonomia, cooperação, supõe a coordenação de valores que exigem tem po para sua construção.
Situação-problema como avaliação e como aprendizagem
Lino de Macedo
Uma das características importantes da noção de competência, segundo Perrenoud, é desafiar o sujeito a mobilizar os recursos no contexto situação-problema para tomar decisões favoráveis ao seu objetivo ou metas. Sabemos, e muitas vezes lamentamos, o quanto em uma determina da situação não nos permitimos recorrer a tudo sabemos em favor de sua solução. As situaçõ es-problema propõem uma tarefa para a qual o sujeito deve mobilizar seus recursos ou esquemas decisões.
Os objetivos em uma máquina correspondem ao comando, desencadeado por alguém ou alguma coisa que provoca uma cadeia de respostas ou realização de ações com duração e seqüências programadas. Os meios e recursos em uma máquina expressam sua constituição física ou "sintática" parada para reagir. Os resultados são a culminação daquilo que foi decidido fazer ou produzir. O ser hu mano toma decisões, formula julgamentos, compromete-se com uma resposta. Tomar decisões é mais do que resolver um problema, pois implica valores, raciocínio, enfrentar um dilema e decidir-se pelo que acha melhor, mais justo, mais condizente para e para a sociedade a que pertence.
Meirieu, em seu instigante livro em que defende a situação-problema como forma de aprendizagem, propõe que, ao invés de analisarmos uma si tuação-problema pelo seu grau de dificuldade, a consideremos em termos de obstáculos, ou seja, obstáculo pode ser grande, médio ou pequeno. Obstáculo refere-se à tomada de decisão do construto r ou do autor do item em propor conteúdos ou situações a serem decididos pelo aluno, que tenham níveis diferentes de obstáculo, ou seja, a dificuldade é do aluno para responder à questão. O obstáculo é a decisão do construtor do item. Há obstáculos que, para certos alunos, são muito difíceis, ou , nem tanto.
Em Piaget, na sua teoria da regulação, um con ceito, creio, comparável ao de obstáculo seria o de "resistência" do objeto em face do movimento assi milativo do sujeito, ou seja, um sujeito ao se inte ressar por assimilar um objeto (olhar, pegar, resol ver o problema colocado por ele) encontra resistên cia do objeto. Quanto maior a resistência, maior o desafio acomodativo proposto ao sujeito.
Resistência refere-se, então, aos obstáculos que um objeto exerce, por suas características (físi cas, químicas, etc. ou, então, no nosso caso, pelo modo como a situação-problema foi proposta, etc.), sobre o sujeito. Uma perturbação expressa o fato de que uma alteração foi assimilada como um pro blema, pois, caso contrário, seria suficiente dar a resposta. Dessa forma, se alguém me faz uma per gunta e eu sei a resposta e quero fornecê-Ia a quem me perguntou, então é uma alteração que propõe um mínimo de perturbação, pois não implica o tra balho de buscar soluções, correr riscos, etc. Assi milar uma alteração como um problema é se permi tir envolver com a busca ou construção de uma res posta que, no momento, melhor expressa nosso entendimento da questão.
A perturbação produz um desequilíbrio, rom pe com a harmonia do que o sujeito sabia ou pen sava sobre um determinado assunto. Traduz a in suficiência dos nossos recursos para a resposta. Cria ou expressa uma insuficiência dos meios ou das informações. Convida-nos a prestar atenção nas in formações dadas no enunciado, a efetuar cálculos, observar, comparar, reunir conhecimentos ou iden tificar coisas, a fazer ordenações.
Regulação refere-se ao trabalho do sujeito em face de uma perturbação no contexto das intera ções provocadas pela situação-problema, como for muladas. Regulação é o que fazemos para recupe rar o equilíbrio rompido pela pergunta ou problema proposto. Regulação expressa as formas de com pensarmos uma perturbação. Escolher, pelo traba lho da reflexão e de tomada de decisão, a melhor alternativa para uma questão significa realizar uma compensação perfeita, pois recupera o ciclo rompi do pela perturbação provocada pela questão.
Finalmente, a regulação, por seu próprio nome, corresponde também a um modo de agir em um contexto de regras. No caso da prova do Enem, por exemplo, poderíamos listar muitas regras a serem aplicadas e consideradas, seja para a produção da prova, para sua realização, avaliação e, sobretudo, para suas implicações na vida "lá fora".
Propostas para pensar sobre situações-problema a partir do Enem
Lino de Macedo
Neste item, o autor propõe situações-proble ma para a reflexão dos professores a partir dos da dos apresentados nos dois itens anteriores.
Interdisciplinaridade e contextuação
Nílson José Machado
Em sua forma paradigmática, a organização do trabalho escolar nos diversos níveis de ensino baseia-se na constituição de disciplinas, que se es truturam de modo relativamente independente, com um mínimo de interação intencional e instituciona lizada. Tais disciplinas passam a constituir verda deiros canais de comunicação entre a escola e a realidade.
Já há algum tempo, "interdisciplinaridade" tem sido uma palavra-chave na discussão da forma de organização do trabalho escolar ou acadêmico. A idéia de interdisciplinaridade tende a transformasse em bandeira aglutinadora na busca de uma vi são sintética, de uma reconstrução da unidade per dida, da interação e da complementaridade nas ações, envolvendo diferentes disciplinas. Este apa rente consenso não deve, no entanto, minimizar certas dificuldades renitentes na abordagem da in terdisciplinaridade e que podem explicar, em parte, resultados tão pouco expressivos nas ações docen tes, mesmo originados em grupos que se debruça ram seriamente sobre o tema.
Parece-nos que uma questão central, espe cialmente relevante, tem permanecido insuficiente mente explorada quando se analisa a interdiscipli naridade: trata-se do fato de que toda organização disciplinar é resultante de uma reflexão mais abran gente, de natureza epistemológica, no interior de um sistema filosófico que prefigura.
Consideremos, por exemplo, a concepção comteana da ordenação das Ciências (Comte, 1844). Em tal sistema (positi vista), as seis ciências fundamentais seriam a Ma temática, a Astronomia, a Física, a Química, a Bio logia e a Sociologia. Nas palavras de Comte, "a pri meira necessariamente o ponto de partida exclusi vo e a última o fim único e essencial". Naturalmen te, ao privilegiar o papel da Matemática do modo como faz, parte a natureza das relações estabelecidas entre esta disciplina e as demais, na estruturação curricular, delimitando as possibilidades de um trabalho interdisciplinar.
Apesar de ter sido ultrapassada rapidamente pelo próprio desenvolvimento das ciências consti tuídas, ocorrido ou prenunciado no final do século 19, a classificação comteana permanece sendo um referencial importante pelo menos por dois motivos: além de ser um exemplo bastante nítido do modo como a ordenação e a valorização das disciplinas são tributárias de um sistema filosófico, o esquema comteano é a fonte básica de inspiração, ao que tudo indica, da classificação proposta por Piaget, cujo pensamento permanece vigoroso e influente, em seu Círculo das Ciências (Piaget, 1978). Na apresentação de sua Epistemologia Genética, Pi aget pretende fundar uma teoria do conhecimento científico que conduza, parafraseando Comte, "das mais elementares atividades psicofisiológicas do sujeito aos mais altos pensamentos científicos". Considera, então, os principais ramos da ciência constituindo uma série não-linear, cíclica, fechada sobre si mesma. Não obstante o fato de o círculo piagetiano ter características mais plausíveis do que as da hierarquia comteana, ele apenas disfarça a linearidade que pretendia ultrapassar.
A possibilidade de um trabalho interdisciplinar fecundo depende do reconhecimento do que se re fere à própria concepção de conhecimento, bem como de uma visão geral do modo pelo qual as disciplinas articulam-se, internamente e entre si.
A concepção de conhecimento costuma estar associada, implícita ou explicitamente, a uma imagem metafórica que, em grande parte, determina o papel das disciplinas e organiza as ações docen tes, como o planejamento, a avaliação. De modo geral, a imagem dominante para a construção do conhecimento está associada às idéias cartesianas apresentadas em 1637, no livro Discurso do Méto do. Nesse trabalho, que viria a influenciar profunda mente todo o pensamento ocidental, Descartes pro põe que, diante de uma grande dificuldade, em ter mos cognitivos, deve-se decompô-Ia, subdividi-Ia em partes cada vez mais "simples". até chegar-se ... a "idéi as claras e distintas". Depois a fragmentação, para reconstituir o objeto de estudo, o caminho é o encadeamento lógico, do simples para a o complexo, articulando-se as partes e esquemas do tipo "se A, então B", "se B, então C" e assim por diante.
De modo geral, a organização linear perpassa o conjunto das disciplinas escolares, embora seja especialmente aguda no caso da Matemática.
Talvez em conseqüência de uma associação entre a linearidade e o formalismo, entendido a organização dos conteúdos curriculares sob a forma explícita ou disfarçada de teorias formais, parece certo que existe uma ordem necessária para a apresentação dos diversos assuntos, sendo a ruptura da cadeia fatal para a aprendizagem.
A característica mais marcante de tal organi zação é a fixação de uma cadeia linear de marcos temáticos que devem ser percorridos seqüencial mente, expressando passos necessários no caminho que se julga mais simples até o mais complexo. Quando se planeja o trabalho anual nas di sciplinas, é muito difícil escapar-se de determinações resultantes da pressuposição da exis tência de uma ordem linear necessária para a apresentação dos conteúdos, tanto no interior de cada disciplina quanto no estabelecimento de relações diferentes disciplinas.
Uma concepção de conhecimento em que tais cadeias lineares sejam substituídas, tanto nas rela ções interdisciplinares quanto no interior das diversas disc iplinas, pela imagem metafórica de uma rede, de uma teia de significações, poderia, a nosso ver, contribuir decisivamente para a viabilização do necessário trabalho interdisciplinar. As redes de significações não têm um centro. Na verdade, as próprias redes informáticas, quando foram criadas, de 30 anos, visavam à construção de um sistema acentrado, onde as informações pudessem circular entre os diversos "nós" sem a necessidade de uma irradiação central. Como imagem para a re presentação do conhecimento, por mais desconcertante pareça a um olhar cartesiano, a rede de significados não tem centro, ou tem múltiplos centros... de interesse.
Dependendo dos olhares e dos contextos, o centro pode estar em qualquer parte. Não são cen tos endógenos, mas centros de interesse. Ainda livros didáticos, muitas vezes, cristalizem certos percursos, certos focos de atenção, é possível "entrar na rede" de significações que representa (e é representada) pelo conhecimento por múltiplas portas, com diferentes características. É o profes sor juntamente com seus alunos, com suas circunstâncias, que elege ou reconhece o centro de interesses e o transforma em instrumento para enredar maior de significações relevantes.
A "metamorfose", ou o permanente estado de atualização, é outra característica fundamental das redes. Um significado nunca está definitivamente construído. Destaquemos agora a "heterogeneida de", uma característica das redes diretamente as sociada à idéia de interdisciplinaridade. De fato, os nós/significações que compõem a rede são consti tuídos por relações heterogêneas, quando se pen sa na natureza disciplinar das mesmas.
Cada feixe envolve naturalmente relações que se situam no âmbito de diferentes disciplinas. Qua se nada de relevante, que não seja de interesse apenas de "especialistas" em sentido estrito, pode ser estudado sem a compreensão do caráter es sencial dessa heterogeneidade. De modo algum a concepção do conhecimento como uma rede de sig nificações implica a eliminação ou mesmo a dimi nuição da importância das disciplinas. Na constru ção do conhecimento, sempre serão necessários disciplina, ordenação, procedimentos algorítmicos, ainda que tais elementos não bastem, isoladamen te ou em conjunto, para compor uma imagem adequada dos processos cognitivos. A rede, portanto, não subestima o papel das disciplinas e, em múlti plos sentidos, a escola será sempre um espaço pro pício ao trabalho disciplinar. Conforme afirmamos inicialmente, a interdisciplinaridade é hoje uma pa lavra-chave para a organização escolar. O que se busca com isso é, de modo geral, o estabelecimen to de uma intercomunicação efetiva entre as disci plinas, por meio do enriquecimento das relações entre elas. Almeja-se, no limite, a composição de um objeto comum, por meio dos objetos particula res de cada uma das disciplinas componentes.
No eixo multi/interdisciplinar, as unidades dis ciplinares são, portanto, mantidas, tanto no que se refere aos métodos quanto aos objetos, sendo a horizontalidade a característica básica das relações estabelecidas.
Já no eixo intra/transdisciplinar, a característi ca básica das relações estabeleci das é a vertical i dade. Na intradisciplinaridade, as progressivas par ticularizações do objeto de uma disciplina dão ori gem a uma ou mais subdisciplinas, que não che gam verdadeiramente a deter uma autonomia nem no que se refere ao método nem quanto ao objeto, No caso da transdisciplinaridade, a constituição de um novo objeto dá-se em um movimento ascenden te, de generalização.
Assim, muito do que se pretende instaurar na escola sob o rótulo da interdisciplinaridade, poderia situar-se de modo mais pertinente sob o signo da transdisciplinaridade. O que se busca, efetivamen te, é uma ampliação nos objetos e nos objetivos dos estudos, em um movimento de complementa ção e compensação da progressiva fragmentação a que o desenvolvimento da Ciência tem sistemati camente conduzido. É preciso ir além das discipli nas, situando o conhecimento a serviço dos proje tos das pessoas.
A função precípua da escola básica é a forma ção da cidadania e não a formação de especialistas em qualquer das disciplinas. Na escola básica, por tanto, nenhum conhecimento deveria justificar-se como um fim em si mesmo: as pessoas é que con tam, com seus anseios, com a diversidade de seus projetos. E assim como um dado nunca se transfor ma em informação se não houver uma pessoa que se interesse por ele, que o interprete e lhe atribua um significado, todo o conhecimento do mundo não vale um tostão furado, se não estiver a serviço da inteligência, ou seja, dos projetos das pessoas.
Os processos de avaliação centram as aten ções, como não poderia deixar de ser, apenas na dimensão tácita do conhecimento. Normalmente, são examinados os conteúdos disciplinares, expressos por meios lingüísticos ou lógico-matemáticos, permanecendo ao largo todas as motivações inconscientes, todos os elementos subsidiários que necessariamente sustentam tais conteúdos. Ao pretender-se que todo conhecimento deve estar a ser viço das pessoas, de seus projetos, de seus inte resses como cidadãos, é fundamental, portanto, uma reconfiguração dos instrumentos de avaliação, buscando-se canais adequados para a emergên cia, em cada pessoa, do conhecimento tácito que subjaz. O deslocamento das atenções dos conteú dos disciplinares para as competências pessoais constitui um passo decisivo nesse sentido.
Sempre conhecemos, sobre qualquer tema, muito mais do que conseguimos expressar, lingüística ou conscientemente, e esse conhecimento tá cito é absolutamente fundamental para a sustenta ção daquele que se consegue explicitar. Como as avaliações levam em consideração essencialmente a dimensão explícita, é necessário desenvolver-se estratégias de enraizamento de tais formas de ma nifestação nas componentes da dimensão tácita do conhecimento, continuamente alimentadas por ele mentos culturais de natureza diversa.
Tal enraizamento na construção dos significa dos constitui-se por meio do aproveitamento e da incorporação de relações vivenciadas e valorizadas no contexto em que se originam, na trama de rela ções em que a realidade é tecida; em outras pala vras, trata-se de uma contextuação. Assim, muito do que se busca por meio de rótulos como interdis ciplinaridade, transdisciplinaridade, ou mesmo trans versalidade atende pelo nome de contextuação.
Andy Hargreaves
ENSINO NA SOCIEDADE DE CONHECIMENTO: EDUCAÇÃO NA ERA DA INSEGURANÇA
Nesta obra,Hargreaves analisa o significado da expressão "socíedade do conhecimento'" e suas implicações na vída dos proíessoees da atualidade.
Embora baseado em experiências norte-americanas e canadenses, as reflexões do autor tem repercussões mundiais, isto porque, a sociedade do conhecimento depende das escolas como um todo para tornar-se uma sociedade aprendente criativa e solidária. Ao longo de todo o livro o autor deixa claro que o futuro da transformação educacional deve basear-se em um pequeno número de políticas estratégicas, mas que com um poder de “alta alavancagem” e bem articuladas com redes de apoio serão responsáveis pela melhora na qualificação da prática docente.
Introdução
Vivemos em uma economia do conhecimento em uma sociedade do conhecimento. As economias do conhecimento são estimuladas e movidas pela criatividade e pela inventividade, e as escolas da sociedade do conhecimento precisam gerar essas qualidades, caso contrário, seus povos e suas nações ficarão para trás.
As escolas de hoje servem e moldam um mundo no qual pode haver grandes oportunidades de melhorias econômicas se as pessoas puderem aprender a trabalhar de forma mais flexível, investir em sua segurança financeira futura, reciclar suas habilidades, ir reencontrando seu lugar enquanto a economia se transforma ao seu redor e valoriza o trabalho criativo e cooperativo. O mundo a que as escolas servem também se caracteriza por uma crescente instabilidade social. Mesmo assim, em lugar de estimular a criatividade e a inventividade, os sistemas educacionais se tornam cada vez mais obsecados com a imposição e a microgestão da uniformidade curricular. As escolas e os professores têm sido espremidos na visão estreita dos resultados de provas, das metas de desempenho e das linhas de classificação das escolas segundo os resultados de seus alunos. Em termos gerais, nossas escolas não estão preparando os jovens para bem trabalhar na economia do conhecimento nem para viver em uma sociedade civil fortalecida. Em vez de promover a criatividade econômica e a integração social, muitas escolas estão se enredando na regulamentação de rotinas da padronização insensível.
Como alternativa, podemos promover um sistema educacional de alto investimento e alta capacidade, no qual professores extremamente qualificados sejam capazes de gerar criatividade e inventividade entre seus alunos, experimentando, eles próprios, essa criatividade e a flexibilidade na forma como são tratados e qualificados como profissionais da sociedade do conhecimento. Nesse segundo cenário, o ensino e os professores irão muito além das tarefas técnicas de produzir resultados aceitáveis nas provas, chegando a buscar o ensino como, mais uma vez, uma missão social que molda a vida e transforma o mundo. Neste novo sistema, os professores devem assumir novamente seu lugar entre os intelectuais mais respeitados da sociedade, indo além do âmbito da sala de aula, para tornarem-se, e preparar seus alunos para serem, cidadãos do mundo. Eles devem fazer o melhor que podem para garantir que os estudantes promovam bens privados da economia do conhecimento e que prosperem a partir deles. Também deverão ajudá-los a se comprometer com os bens públicos vitais, dos quais os interesses empresariais da economia do conhecimento não são capazes de tomar conta: uma sociedade civil fortalecida e vigorosa, desenvolvendo o caráter que promove o envolvimento da comunidade e o cultivo das disposições de simpatia e cuidado para com as pessoas de outras nações e culturas, as quais são o coração da identidade cosmopolita. Esses são os desafios enfrentados por professores na sociedade do conhecimento atual e que representam o foco deste livro, que trata do mundo em transformação, bem como do trabalho do ensino, também este em transformação. Desta forma, a expressão mais adequada para o título deste livro seria "sociedade de aprendizagem" entretanto, o título original se mantém em função de sua utilização ampla e e aceitabilidade.
Na sociedade do conhecimento, a riqueza e a prosperidade dependem da capacidade das pessoas de superar seus concorrentes em criação e astúcia, sintonizar-se com os desejos e demandas do mercado consumidor e mudar de emprego ou desenvolver novas habilidades à medida que as flutuações e os momentos de declínio econômico assim o exigirem. Desta forma, ensinar na sociedade do conhecimento envolve o cultivo dessas capacidades nos jovens, o desenvolvimento da aprendizagem cognitiva profunda, da criatividade e da inventividade entre os estudantes, a utilização da pesquisa, o trabalho em redes e equipes, a busca de aprendizagem profissional contínua como professores e a promoção da solução de problemas, da disposição de correr riscos, da confiança nos processos cooperativos, da capacidade de lidar com a mudança e do compromisso com a melhoria contínua das organizações.
I-O ensino para a sociedade do conhecimento: educar para a
inventividade
A profissão paradoxal
Ensinar é uma profissão paradoxal. Entre todos os trabalhos que são, ou aspiram a ser profissões, apenas do ensino se espera que gere as habilidades e as capacidades humanas que possibilitarão a indivíduos e organizações sobreviver e ter êxito na sociedade do conhecimento dos dias de hoje. Dos professores, mais do que de qualquer outra pessoa, espera-se que construam comunidades de aprendizagem, criem a sociedade do conhecimento e desenvolvam capacidades para a inovação, a flexibilidade e o compromisso com a transformação essenciais à prosperidade econômica. Ao mesmo tempo, os professores também devem e mitigar combater muitos dos imensos problemas criado pelas sociedades do conhecimento, tais como consumismo excessivo, a perda da comunidade e distanciamento crescente entre ricos e pobres; de alguma forma devem tentar atingir simultaneamente esses objetivos aparentemente contraditórios. Aí reside o paradoxo profissional.
Enquanto isso, os gastos, bem como a educação e o bem-estar públicos, foram as primeiras baixas do Estado enxuto que as economias do conhecimento têm exigido. Os salários e as condições de trabalho dos professores têm estado entre os itens mais caros no topo da lista de baixas do serviço público. A profissão, classificada como importante para a sociedade do conhecimento, tem sido desvalorizada por tantos grupos, com mais e mais pessoas querendo deixá-la, cada vez menos querendo se juntar a ela, e muito poucas desejando assumir sua liderança. Isso, mais do que um paradoxo, representa uma crise de proporções perturbadoras.
Sendo assim, os professores de hoje se encontram presos em um triângulo de interesses e imperativos conflitantes: ser catalizadores da sociedade do conhecimento e de toda a oportunidade e prosperidade que ela promete trazer; ser contraponto a ela e às suas ameaças à inclusão, à segurança e à vida pública; ser baixas dessa sociedade do conhecimento em um mundo onde as crescentes expectativas com relação à educação estão sendo respondidas com soluções padronizadas, fornecidas a custos mínimos. Essas três forças, suas interações e seus efeitos estão moldando a natureza do ensino, aquilo que significa ser um professor, e a própria viabilidade da atividade, como profissão, na sociedade do conhecimento.
Antes da sociedade do conhecimento
Desde o surgimento da educação escolar compulsória e de sua difusão pelo mundo, espera-se que a educação pública salve a sociedade. As expectativas em relação à educação pública sempre foram altas, mas nunca se expressaram da mesma forma. Nos 30 anos posteriores à Segunda Guerra Mundial, a educação nas principais economias do mundo foi vista amplamente como um investimento em capital humano, no desenvolvimento científico e tecnológico, em um compromisso com o progresso. Mas em termos práticos, pouco foi feito para transformar a natureza fundamental da educação oferecida ou a forma como os professores lecionavam. Foram poucas as inovações que duraram por muito tempo, e a retórica da mudança em sala de aula geralmente sobrepujava a realidade. Para além de toda autonomia, tentativas de inovação e expansão educacional, permaneceram uma “gramática” básica de ensino e aprendizagem em que a maioria dos professores lecionava de forma como se havia feito por gerações, na frente da sala, por meio de aulas expositivas, trabalhos para serem realizados por alunos sentados e métodos de perguntas e resposta, com aulas separadas para crianças da mesma idade, avaliadas por métodos escritos padronizados.
A crise do petróleo de 1973 e o colapso da economia keynesiana puseram fim aos pressupostos educacionais otimistas em muitas economias desenvolvidas do Ocidente. A educação passou subitamente a ser o problema, e não a solução. Nas economias altamente endividadas, os estados de bem-estar social começaram a entrar em colapso e, com eles, os recursos para a educação. As nações ocidentais se voltaram para dentro, e muitas delas perderam a confiança, visto que foram eclipsadas pelas economias dos "tigres" asiáticos. Nesse meio tempo, os perfis demográficos se inverteram, as populações dos alunos encolheram e os professores perderam sua atratividade no mercado e seu poder de barganha e grande parte da força de trabalho remanescente no ensino começou a envelhecer.
No final da década de 80 os governos começaram a vincular mais intimamente a educação aos negócios, ao trabalho, à ciência e à tecnologia. As estruturas foram reorganizadas, os recursos restringidos novamente e as políticas de opção de mercado e competição entre escolas começaram a proliferar.
O controle curricular foi muitas vezes enrijecido em alguns lugares, ligado à tarefa explícita de restabelecer o orgulho da nação. Os professores passaram a ser responsabilizados pela maior parte dos problemas, por governos e pela mídia e as recém-estabelecidas classificações de escola, segundo o desempenho escolar humilhavam os docentespor fracassarem com seus alunos. (geralmente os das comunidades mais pobres). Segundo alguns críticos, tais eventos foram medidas deliberadas, voltadas a tornar malvistos o ensino e as escolas públicas, estimular muitos pais a financiar de forma privada a educação de seus filhos e forçar à aposentadoria precoce de professores mais velhos e mais caros, que estavam impedindo a nova agenda da reforma.
Um dos pretextos mais fortes para a reforma escolar nas nações ocidentais foi a introdução das comparações internacionais de exames. O milagre econômico dos "tigres" e do Japão levou os formuladores de políticas no Ocidente a supersimplificar e singularizar as contribuições dos sistemas educacionais dessas sociedades para seu sucesso econômico. Os resultados internacionais de exames de matemática e ciências provocaram ansiedade pública e deram munição para que muitos governos ocidentais reformulassem os sistemas educacionais, o que levou a maior padronização e microgestão do ensino e da aprendizagem por meio de sistemas mais rígidos de inspeção, pagamento de acordo com desempenho e reformas curriculares prescritas minuciosamente, que reduziram em muito a latitude das decisões pedagógicas dos professores.
Lucrando a partir da sociedade do conhecimento
Nessa sociedade em constante transformação e autocriação, o conhecimento é um recurso flexível, fluido, em processo de expansão e mudança incessante. Na economia do conhecimento, as pessoas não apenas evocam e utilizam o conhecimento “especializado” externo, das universidades e de outras fontes, mas conhecimento, criatividade e inventividade são intrínsecos a tudo o que elas fazem. O conhecimento não é apenas um apoio para o trabalho e a produção, mas sim a forma fundamental do próprio trabalho e da própria produção, visto que mais e mais pessoas instruídas trabalham nos campos das idéias, da comunicação, das vendas, do marketing, da assessoria, da consultoria, do turismo, da organização de eventos e assim por diante.
Assim sendo, a sociedade do conhecimento tem três dimensões. Em primeiro lugar, engloba uma esfera científica, técnica e educacional ampliada; em segundo, envolve formas complexas de processamento e circulação de conhecimento e informações em uma economia baseada nos serviços; em terceiro lugar, implica transformações básicas da forma como as organizações empresariais funcionam de modo a poder promover a inovação contínua em produtos e serviços, criando sistemas, equipes e culturas que maximizem a oportunidade para a aprendizagem mútua e espontânea. O segundo e o terceiro aspectos dependem de se ter uma infraestrutura sofisticada de tecnologia de informação e comunicação que torne toda essa aprendizagem naus rápida e mais facial. A chave para uma economia do conhecimento forte, entretanto, não é apenas as pessoas poderem acessar a informação, mas também o quão bem elas conseguem processar essa mesma informação.
Desenvolvendo a sociedade do conhecimento
A sociedade do conhecimento é uma sociedade de aprendizagem. O sucesso econômico e uma cultura de inovação contínua dependem da capacidade dos trabalhadores de se manter aprendendo acerca de si próprios e uns com os outros. Uma economia do conhecimento não funciona a partir da força das máquinas, mas a partir da força do cérebro, do poder de pensar, aprender e inovar.
As escolas e os professores não podem e nem devem renunciar a suas responsabilidades de promover as oportunidades, o envolvimento e a inclusão dos jovens no mundo altamente especializado do conhecimento, da comunicação, da informação e da inovação. Todas as crianças devem ser preparadas para a sociedade do conhecimento e para a sua economia. Entretanto, a mudança não está em mais educação na forma atual. Salas de aula mais eficientes, que se concentrem no ensino e na aprendizagem, em vez de disciplina, mais tempo gasto em alfabetização e outros aspectos básicos, mais cursos de férias e aulas aos sábados para alunos que estão com dificuldades de aprendizagem, um dia de aula com mais horas, um ano escolar com mais dias: todas essas coisas ajudam a melhorar o desenvolvimento dos alunos, mas apenas aquele desempenho já existente. Elas não transformam esse desempenho ao sujeitá-los a mais quantidade das estratégias que já existem.
O ensino para a sociedade do conhecimento
Como catalizadores das sociedades do conhecimento bem-sucedidos, os professores devem ser capazes de construir um tipo especial de profissionalismo, do qual os principais componentes são: promover a aprendizagem cognitiva profunda; aprender a ensinar por meio de maneiras pelas quais não foram ensinados; comprometer-se com aprendizagem profissional contínua; trabalhar e aprender em equipes de colegas; tratar os pais como parceiros na aprendizagem; desenvolver e elaborar a partir da inteligência coletiva; construir uma capacidade para a mudança e o risco e estimular a confiança nos processos.
O ensino para a sociedade do conhecimento atual ´tecnicamente mais complexo e mais abrangente do que jamais foi e tem como referência uma base de pesquisa e experiências sobre o ensino eficaz, que está mudando e se ampliando. Novas abordagens à aprendizagem demandam novas abordagens ao ensino. Entre elas estão um ensino que enfatize habilidades de raciocínio de ordem mais elevada, a metacognitação (a reflexão sobre o pensamento), abordagens construtivistas de aprendizagem e da compreensão, a aprendizagem baseada no cérebro, estratégias cooperativas de aprendizagem, inteligências múltiplas e diferentes “hábitos da mente”, empregando uma ampla gama de técnicas de avaliação e utilizando a informática e outras tecnologias de informação que capacitem os alunos para acessá-la de forma independente. Os professores de hoje, portanto, precisam estar comprometidos e permanentemente engajados na busca, no aprimoramento, no auto-acompanhamento, na análise de sua própria aprendizagem profissional e análise de seu relacionamento com os pais.
Além de tais aspectos, cabe ao professor dessa nova sociedade um alto grau do que Daniel Goleman chamou de inteligência emocional. A inteligência emocional acrescenta valor à inteligência cognitiva, diferenciando líderes brilhantes daqueles que são simplesmente adequados. As cinco competências
básicas que compõem a inteligência emocional são: conhecer e ser capaz de expressar as próprias emoções; ser capaz de criar empatia para as emoções de outros; conseguir monitorar e regular as próprias emoções de forma que elas não saiam de controle; ter capacidade de motivar a si e aos outros; ter as habilidades sociais para colocar em ação as quatro primeiras competências.
Em síntese, ensinar para a sociedade do conhecimento estimula e floresce a partir de: criatividade, flexibilidade, solução de problemas, inventividade, inteligência coletiva, confiança profissional, disposição para o risco e aperfeiçoamento permanente.
II -O ensino para além da sociedade do conhecimento: do valor do
dinheiro aos valores do bem
A bolha dos mares do sul
o autor cita alguns exemplos de empreendimentos financeiros com excesso especulativo (South Sea Company - 1711; febre ferroviária do século a explosão imobiliária do final da década de XIX e a explosão imobiliária do final da década de 1980) e os compara à revolução do conhecimento informação do século XXI, afirmando que todos são "bolhas especulativas".
A bolha do conhecimento e da informação
Todas as bolhas de investimentos acabam por 0explodir, com conseqüências dramáticas e, por vezes, cataclísmicas. Quando falamos sobre o futuro da sociedade do conhecimento, se não tivermos em mente e aprendermos a partir do que aconteceu a bolhas anteriores, seremos condenados a repetir a mesma tragédia histórica. No final da década de 1990, as possibilidades da nova sociedade do conhecimento se apresentaram ilimitadas. A sociedade da informação e a economia do conhecimento pareciam representar uma nova era de otimismo e oportunidade. Todos os indicativos apontavam para uma expansão massiva na tecnologia da informação e do entretenimento. Contudo, com o passar dos anos, começaram a se instalar dúvidas de que o consumo galopante de novas tecnologias estivesse realmente melhorando as vidas ou os relacionamentos das pessoas. A sociedade do conhecimento ameaça cada vez mais nos levar para um mundo que não oferece solidão nem comunidade. A utilização excessiva de computadores e outras tecnologias também está sendo vinculada a taxas crescentes de obesidade infantil e outros transtornos. Nos meses do novo século, a bolha da economia do conhecimento começou a explodir. O ano de 2000 foi o primeiro na história em que a venda de computadores caíram no mundo todo.
Da informação à insegurança
O dia 11 de setembro: de 2001 foi uma data em que os norte-americanos compreenderam que nem todas as frenteiras de suas costas tampouco as ferramentas de vigilância tecnológica, ou seu poderio militar poderiam tornar seu país inexpugnável em face da globalização do terror. A "América" deixara se ser apenas o gerador de mercados qlobalizadores de conhecimento e informações; era agora o alvo de um outro tipo de globalização que levou o mundo, em alguns minutos, da era otimista da informação para uma era de insegurança, tomada pela ansiedade. Diferentemente da incerteza e da complexidade,a insegurança geral não é uma condição inevitável,mas uma opção política na sociedade do conhecimento.
Fundamentos ou fundamentalismo
o que está por detrás da violência de 11 de setembro é a "economia do lucro, sem sangue nas veias na qual apenas os interesses das pessoas como consumidores privados são tratados abertamente,ao passo que suas preocupações como cidadãos, como partes do bem público, são postas de lado. É o que Benjamin Barber chamou de McMundo.
O paradoxo da globalização é o fato de que ela e a homogeneização levam muitos daqueles que não podem compartilhar seus benefícios a se voltar para dentro, para a cultura, a religião e a etnicidade como fontes alternativas de sentido e identidade.
A expressão extrema dessa resposta é a jihad, termo islâmico que se refere à luta religiosa em nome da fé, contra os infiéis. Em sua manifestação política, significa a guerra sagrada em nome da identidade partidária metafisicamente definida e defendida de forma fanática. Ela surge no Islã, mas não é essencial a ele. Ainda assim, proporciona foco e direção àqueles que lutam contra o que consideram influências culturalmente corruptoras dos valores de mercado ocidentais, da modernização e da degradação moral.
Comunidade e caráter
A sociedade de alto risco de hoje em dia se caracteriza pelo perigo crescente da destruição terrorista e da devastação ambiental em grande escala. Esses riscos também se estendem a nossas vidas pessoais, nossas famílias e comunidades. Pais com sobrecarga de trabalho estão ocupados tentando se livrar da pobreza ou acompanhar o padrão dos vizinhos e concorrentes que têm pouco ou nenhum tempo para seus filhos. Cada vez mais esses pais têm terceirizado seus filhos para outros cuidadores, reduzindo seu próprio comprometimento de tempo e suas responsabilidades emocionais no processo. Nos sistemas escolares de nível médio que se baseiam nos resultados do desempenho à custa de relacionamentos, muitos adolescentes se encontram cada vez mais desligados da aprendizagem e alienados da sociedade conhecimento. A economia do conhecimento e o investimento que ela requer estão destruindo formas existentes de vida e de trabalho. Diante disso, um sistema forte de educação pública não só é parte integrante de uma economia do conhecimento próspera, como também é vital para a proteção e o fortalecimento da democracia que constrói comunidade e desenvolve caráter. Hoje em dia, mais do que nunca, os professores devem ser não apenas catalizadores da economia do conhecimento, como também seus contrapontos essenciais, construindo e preservando a democracia pública e comunitária que acompanha essa sociedade e também é ameaçada por ela.
Cultivando o capital social
Os professores que ensinam para além da sociedade do conhecimento desenvolvem o capital intelectual de seus alunos, mas também seu capital social, ou seja, a capacidade de estabelecer redes,forjar relacionamentos e contribuir fazendo uso dos recursos humanos da comunidade e da sociedade como um todo. Francis Fukuyama define o capital social como um conjunto de valores e normas informais compartilhados por membros de um grupo, que Ihes permite cooperar entre si e que estabelece uma
base de confiança. O capital social dá suporte à aprendizagem, alimenta-a, encontra uma forma de lhe dar vazão e propósito. Se os professores, as escolas e as comunidades não o cultivarem, os alunos gerarão o seu próprio, de formas invertidas e pervertidas, nas subculturas dos banheiros e outros cantos escuros de suas turmas, onde a amizade consolida o fracasso e a oportunidade econômica é negada por meio de exclusão social e educacional compartilhada, O capital social está na base da prosperidade e da democracia, e seu desenvolvimento é essencial do ponto de vista educacional.
Educando para a democracia
Na arena internacional, organizações como a Unesco mantêm vivo o discurso democrático na educação.
O relatório Delors dessa instituição, chamado Educação, um tesouro a descobrir, identificou quatro pilares essenciais da aprendizagem. Dois deles são as bases da economia do conhecimento: aprender a conhecer e aprender a fazer. O aprender a ser e o aprender a viver juntos não são menos importantes.
Ensinando para além as sociedade do conhecimento
Os valores, a justiça social e a solidariedade devem ser centrais ao desenvolvimento profissional para professores, ao desenvolvimento comunitário para os pais e à agência da formulação de políticas em grande escala, se quisermos tornar as escolas melhores. Ensinar para além da sociedade do conhecimento significa servir-lhe de contraponto corajoso, com vistas a estimular os valores de comunidade, democracia, humanitarismo e identidade cosmopolita.
III – O ensino apesar da sociedade do conhecimento I: O fim da inventividade
O custo da sociedade do conhecimento
ensinar para a sociedade do conhecimento e ensinar para além dela não precisam ser incompatíveis. Reconciliar os objetivos econômicos e sociais da educação e preparar as pessoas para ganhar a vida e viver têm se revelado tarefas historicamente difíceis, levando a osculações intermináveis do pêndulo das políticas. Os professores e outros devem se dedicar a unir essas duas missões em uma só.
O fundamentalismo de mercado
No final do século XX, as políticas econômicas e públicas de muitas nações foram dominadas pela ideologia do fundamentalismo de mercado, no qual o interesse público seria melhor servido pelos efeitos acumulados da liberação das pessoas para que buscassem seus próprios interesses privados. Gerou-se a concorrência do setor privado com o setor público. Os resultados na educação pública se fizeram sentir nos cortes de custos e no enxugamento da abertura de escolas; no aumento dos incentivos ficais ou das campanhas para desacreditar o sistema público, que estimularam os pais a redirecionar seus investimentos para a educação privada.
A educação descarrilada
Os professores estão presos em um triângulo de pressões e expectativas contraditórias. Eles lutam para atingir um máximo de realização profissional, mas são continuamente arrastados pelas reações dos fundamentalistas de mercado aos custos da economia do conhecimento. No lugar de promover a aprendizagem profunda e o envolvimento emocional dos alunos com sua aprendizagem e uns com os outros, os professores se encontram cada vez mais preocupados em treinar crianças para exa
Políticas padronizadas
O enxugamento e a padronização desgastam a colaboração, esgotam professores que exercem cargos de coordenação e reduzem seu investimento na própria aprendizagem profissional. A padronização aumenta a exclusão das escolas e dos alunos dos níveis inferiores, que consideram os
padrões para além do seu alcance. Diante da padronização os professores, exaustos e desmoralizados, recorrem à demissão e à aposentadoria precoce, criando imensos problemas de recrutamento e retenção nessa profissão baseada no conhecimento.
IV - O ensino apesar da sociedade do conhecimento: a perda da integridade
Este capítulo apresenta os resultados de pesquisas realizadas pelo autor em escolas americanas e canadenses de nível médio. A análise observa a substância da reforma nas áreas de mudança de currículo e avaliação, examina o processo de implementação, o caráter da mudança e as alterações nas condições de trabalho que acompanharam essas transformações. Entre os principais aspectos apresentados pelos professores entrevistados estão: o pouco tempo destinado ao estudo, a ineficiência e inadequação do desenvolvimento profissional, o isolamento profissional, a perda da eficácia do trabalho docente, a pouca criatividade e inventividade, a ausência de integridade, a perda de propósito profissional, a desmoralização, a política de humilhação e a exaustão. Tais aspectos foram ocasionados pelo ritmo insustentável da reforma e atingiram a saúde dos professores. Lecionar tornou-se mais difícil e estressante, e muito menos agradável.
Uma conclusão perturbadora é a de que não são apenas os professores mais velhos que estão se desiludindo com a profissão, mas também os mais jovens.
Nessas condições, a profissão do ensino terá cada vez mais dificuldades de atrair candidatos de boa qualidade, com capacidade intelectual e, especialmente, quando outras ocupações com menos regulamentação e mais incentivo estão concorrendo por seu talento.
v - A escola da sociedade do conhecimento: uma entidade em extinção
Este capítulo apresenta a bem sucedida expe riência de uma escola de nível médio canadense Blue Mountain, considerada a síntese de uma es cola da sociedade do conhecimento.
As escolas em sociedades complexas dever.i am se tornar organizações de aprendizagem efica zes, desenvolvendo estruturas e processos que Ihes capacitem para aprender no inter.ior de seus ambi entes imprevisíveis e mutantes e responder a eles com rapidez. As escolas eficazes devem operar como sólidas comunidades de aprendizagem profissional a partir de três componentes: o trabalho cooperativo; o foco no ensino e na aprendizagem e avaliações permanentes para investigar avanços e problemas.Na escola analisada evitava-se a departamen talização a partir da idéia da aprendizagem organi zacional e do pensamento sistêmico, segundo os quais todas as decisões da escola devem ser toma das de acordo com os interesses da comunidade organizacional. O entusiasmo e a empolgação de trabalhar se refletiam na postura inovadora e inven tiva do currículo e no ensino de sala de aula, As avaliações eram diferenciadas (portifólios e apresentações),' a intormática não se limitava a labora tórios fechados, os alunos tinham liberdade pará utilizar qualquer tecnoloqia disponível. Entretanto', as pressões econômicas também afetaram a rotina da escola que passou a conviver com os problemas apresentados anteriormente. Mesmo assim, nela ainda acontece muita interação profissional 'entre seus grupos, muito mais do que em quase todas as outras escolas, mas, como comunidade de apren dizagem, um exemplo de escola da sociedáde do conhecimento, a Blue Mountain é, sem dúvida al guma, uma espécie em extinção.
VI - Para além da padronização: comunidades de aprendizagem profissional ou seitas de treinamento para o desempenho?
Rumo a uma profissão de aprendizagem
Ensinar é um trabalho cada vez mais comple xo, exigindo os padrões mais elevados de prática profissional para um desempenho adequado. É a
profissão central, o agente fundamental da mudan ça na sociedade do conhecimento de nossos dias. Mesmo assim, o ensino está em crise. A rotativida de demográfica entre os professores, durante anos de desgaste e desilusão com as reformas amplas, está esgotando a profissão. A atração do ensino como carreira entre novos candidatos, reais e po tenciais, está desaparecendo rapidamente.
Felizmente, nos últimos anos, muitos começam a se dar conta de que o desenvolvimento profissio nal de alta qualidade para professores é indispen sável à geraçao de mudanças profundas e dura douras na aquisição dos alunos. Em quase toda parte (Austrália, Estados Unidos, Inglaterra) os go vernos estão começando a elogiar os professores e o ensino, conferindo a honra e o respeito onde haviam prevalecido a acusação e o descaso no passado recente. Já é tempo de repensarmos como deveria ser o ensino e a aprendizagem para os alu nos, e o ensino e o apoio profissional para os pro fessores. A reforma educacional não pode mais ser construída nas costas dos professores.
Futuros para o ensino na sociedade do conhecimento
A OCDE projetou seis prováveis cenários para o futuro da educação pública na sociedade do co nhecimento. Dois deles partem de um desdobramen to de arranjos já existentes, que irá levar a uma bu rocracia mais arraigada nos sistemas escolares, ou ao aumento da ênfase no mercado e nas soluções baseadas nas opções, em função da difusão da in satisfação das pessoas com a educação pública. O segundo par de opções supõe um encolhimento da educação pública, seja por atrofia, à medida que a falta de professores e uma proliferação desespera da de inovações gerarem pânico e desagregação nas políticas educacionais, seja pelo incentivo em alternativas fora da escola, na aprendizagem ele trônica e não-formal. Apenas dois dos cenários, os quais a organi zação chama de re-schooling; ou "reescolariza ção", isto é, a transformação das características fundamentais da escola típica, presumem que a formação escolar pública possa ser salva e me lhorada. Um deles vê a escola sendo reinventada na forma de uma organização de aprendizagem dirigida, que enfatize a aprendizagem para a soci edade do conhecimento. O outro visualiza as es colas como pontos focais para redes de relacionamentos comunitários mais amplos, desenvolven do o capital social dos estudantes e Ihes possibi litando viver bem e trabalar produtivamente na sociedade do conhecimento.
Culturas, contratos e mudança
A partir de vários subtítulos relacionados a culturas, contratos e mudança, o autor aprese ta ca racterísticas indispensáveis à sociedade conhe cimento. Entre elas destacam-se: a impontância da combinação entre a confiança pessoal dos reIacionarnentos com a confiança e a responsabilização profissional dos contratos de desempenhos (garantía de qualidade por meio da obrigação mútua), a substituição do individualismo profissional permissivo pelo trabalho cooperativo, o rompimento com o regime de contratos que mercantilizam a educação e a eliminação da cultura do invidualismo competitivo entre as escolas. O autor também apresenta algumas maneiras pelas quais as políticas podem promover as comunidades de aprendizagem no interior e além das escolas: desenvolvimento de liderança; inspeção e credenciamento escolar; recertificação e gestão de desempenho; dinheiro para início de projetos de autoaprendizagem, auto-regulamentação profissional; redes profissionais; regionalização dos serviços de desenvolvimento de comunidade profissional
VII - O futuro do ensino na sociedade do conhecimento: repensar o aprimoramento, eliminar o empobrecimento
O futuro do ensino está em combinar os esforços das comunidades de aprendizagem e das seitas de treinamento (grupos que buscam a melhoria do desempenho - alfabetização e matemática - em testes padronizados), eliminando assim, o apar taheid de desenvolvimento e aprimoramento es colar. Os primeiros, pautados em princípios am plos, na promoção da cooperação e no trabalho em rede, tendem a ser adotados por escolas de comunidades mais afluentes e os segundos, por sua vez, caracterizados por programas rigidamen e definidos, estritamente monitorados e com trei namentos intensivos, tendem a ser adotados por escolas de localidades mais pobres, isto porque, diferentes es escolas se beneficiam de abordagens - difrenciadas do aperfeiçoamento.
Conclusão
Este livro demonstrou que a reforma padron izada na educação prejudica a capacidade dos professores de lecionar para a sociedade do conhecimento e para além dela. A padronização expande a exclusão educacional. Estratégias diferenciadas de aprimoramento oferecem uma maneira de ir além das falhas da abordagem "tamanho único" da padronização insensível, mas a forma como a diferença está sendo definida tranca a pobreza e o fracasso juntos, dentro de uma linguagem neutra de "subdesenvolvimento" que é politicamente evasiva e enganadora, seja na política escolar, seja na política mundial. Nossa prosperidade depende dos atributos centrais da eco nomia do conhecimento: a criatividade e inventividade, a cooperação, a flexibilidade, a capacidade de aproveitar e desenvolver a inteligência co letiva, de solucionar problemas de desenvolver redes, de lidar com a mudança e o compromisso com a aprendizagem por toda a vida. Logo, nosso futuro significa os professores reconquistarem status e sua dignidade entre os principais in telectuais da sociedade.
Jean Piaget
PIAGET, Jean. Para onde vai a educação?
Tradução de Ivette Braga, 14ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1998.
Palavras-chaves: educação; direito à educação; ensino-aprendizagem; conhecimento escolar.
O livro aqui resenhado é obra de Jean Piaget, (1896-1980), que trata de compreender a forma como a criança adquire o conhecimento lógico-matemático. Como pesquisador, seus estudos têm como modelo as áreas da Matemática e da Física. Piaget lecionou nas Universidades de Genebra e de Paris. Este livro exprime o que o autor pensa a respeito do Ensino das Ciências, dos Direitos Humanos, inclusive o da gratuidade do ensino e de uma educação voltada para o pleno desenvolvimento da personalidade humana levando em consideração a diversidade dos povos.
A obra, ao longo de suas 80 páginas, está dividida em duas partes, sendo a primeira subdividida em dois tópicos, a segunda em cinco tópicos.
Jean Piaget inicia a primeira parte com uma retrospectiva da educação, a fim de mostrar a necessidade imperativa da transformação no modo de ensinar, a partir do entendimento da forma lógica de aprender dos alunos. Em seguida; ele propõe uma prospectiva na questão de como ensinar ciências, demostrando como ponto crucial as diferenças individuais de aptidão do aluno para determinados saberes, dependendo da adaptação ao tipo de ensino que lhe é oferecido, demonstrando que o fracasso escolar está muito mais ligado à rápida passagem que os professores fazem do aspecto qualitativo (lógico) para o quantitativo (numérico). Segundo o autor, a prática do ensino deveria utilizar o método ativo, por meio do qual a criança vai reconstruir e reinventar, não somente transmitir informações ao aluno. Para ele, o professor não deve se limitar ao conteúdo específico de sua disciplina, mas deve conhecer como ocorre o desenvolvimento psicológico da inteligência humana. Todo o processo de ensino deve estar alicerçado na experimentação por parte do aluno.
Todo o processo de ensino deve estar alicerçado na experimentação por parte do aluno. O problema geral da Educação está centrado na preparação dos professores, que é o aspecto de real mudança em qualquer reforma pedagógica.
Na segunda parte, ele aborda a questão dos direitos expressos na Declaração Universal dos Direitos do Homem, em que lhe é assegurado o pleno direito à educação e na qual os pais podem escolher o tipo de educação que desejam para seus filhos. Piaget advoga que esse direito não se restringe ao "pleno direito à educação" mas que esta seja uma educação de qualidade e voltada para o pleno desenvolvimento da personalidade humana, levando em consideração a paz entre as várias nações. Para o desenvolvimento do ser humano é preciso atentar para os dois fatores que o condicionam: os fatores da hereditariedade e adaptação biológicas, e os fatores de transmissão ou de interação sociais. O autor ressalta a diferença entre as sociedades humanas e as sociedades animais, cujas principais condições sociais humanas são as técnicas de produção e a linguagem, que possibilita gerar os costumes e as regras. A concepção de que a lógica do conhecimento seria inata no indivíduo foi quebrada com as pesquisas piagetianas, cujos resultados apontaram que essa lógica se constrói na interação do sujeito com o meio, como um processo de desenvolvimento natural. Assim, a educação passa a ser vista como fundamental para a formação do desenvolvimento natural do indivíduo.
O autor reflete sobre como a criança, até seus sete anos e conforme sua nacionalidade, tem como responsável pela sua educação a família e não na escola. Com isso, o autor quer nos lembrar que a família não deve ter somente o papel formador e a escola o papel de informar o aluno, mas que a escola, que também é responsável em educar, não fosse separada da vida.
Discutindo o direito à educação, de acordo com o autor, na página 36,
"... é preciso não se deixar iludir: tal situação de direito não poderia ainda corresponder a uma aplicação universal da lei, já que o número de escolas e de professores permanece insuficiente relativamente à população em idade escolar...".
Piaget vem mostrar que o direito por si só não é o bastante, e que a gratuidade somente do ensino de primeiro grau, com um olhar de justiça social, não passa de uma mera afirmação social. Entretanto, para ele, não basta ampliar o ensino de primeiro grau e implantar o segundo com caráter gratuito, mas é preciso também implementar uma relação aluno/escola/aprendizagem, em que haja tarefas que levem o aluno a compreender e participar ativamente da vida social.
Com relação aos pais, o autor reflete sobre como a família vem perdendo seu poder de escolha e controle para o estado; há famílias constituídas por bons pais e outros nem tanto. Ao lidar com os pais, principalmente quando da aplicação dos métodos ativos, deve-se levar em consideração que é mais fácil a estes compreenderem os métodos antigos do que uma nova proposta.
A educação não deve se prestar a moldar o aluno de acordo com um modelo condizente com as gerações anteriores, mas em formar-lhe a personalidade.
A respeito da educação moral, unicamente a vida social entre os próprios alunos, isto é, um autogoverno levado tão longe quanto possível e paralelo ao trabalho intelectual em comum, poderá conduzir a esse duplo desenvolvimento de personalidades, donas de si mesmas e de respeito mútuo.
Mostra ainda que a questão da educação internacional é muito delicada, pois, deve levar em consideração as variadas culturas. O intercâmbio intercultural entre as sociedades faz-se principalmente pelo respeito aos diferentes grupos étnicos que a formam, de forma a conduzir a humanidade a uma paz mundial. Para isso é preciso levar em conta qual método deve ser aplicado para fazer de um indivíduo um bom cidadão. As ciências mostram o quão profundamente está enraizada a atitude egocêntrica no ser humano, e o quanto é difícil dela se desfazer, tanto pelo cérebro quanto pelo coração.
O pensamento de Piaget, expresso nesse livro, leva-nos a refletir sobre a forma como a escola e a sociedade vêm lidando com a educação dos indivíduos, na qual, muitas vezes, não se leva em consideração a forma como estes desenvolvem sua inteligência. Mais grave ainda é a formação dos professores, que não foram desenvolvidos dentro de um processo ativo. Como este docente, assim formado, poderá ensinar seus alunos se ele mesmo não sabe como acontece a passagem do processo quantitativo para o qualitativo?
Esta obra é indicada para todos os profissionais da educação que buscam entender um pouco mais sobre como se desenvolve o pensamento humano e refletir sobre como se poderia estar agindo dentro de um processo educacional voltado ao desenvolvimento pleno da pessoa e da sociedade.
Jussara
Avaliar para promover: As setas do caminho
Jussara Hoffmann
Buscando Caminhos
Promoção - Atrelada ao burocrático – acesso à outra série,
-Resgatar - “promoção como acesso a um patamar superior de conhecimento e vida”.
Avaliar para Promover
Esse caminho precisa ser construído por cada um no:.. - Confronto de idéias. – Repensando - Discutindo em conjunto – Valores – Princípios - Metodologias
Rumos da avaliação neste século - Edgard Morin – “Aprender a enfrentar as incertezas – tempos mudanças – ambivalências.”
Hoje não existe: - Verdade absoluta
- Critérios objetivos
- Medidas padronizadas
Essencial no ato avaliativo – Diálogo - É preciso – esforço coletivo para mudar avaliação
Para onde vamos?
De Para
1- Classificação, seleção, seriação 1- Formação da cidadania
2- Atitude de reprodução, alienação, 2 - Mobilização, inquietação
Cumprimento de normas busca de sentido e significado
3- Intenção prognostica, somativa, 3 - Acompanhamento permanente
4-Explicação e apresentação de resultados 4 - Mediação, Intervenção para melhor
5- Do privilégio - Homogeneidade, 5 - Respeito à individualidade
6- Classificação,competição de todos. 6- À confiança na capacidade
Regimes seriados x Regimes não seriados
Alfabetização e pedagogia diferenciada - Avaliação contínua, mediadora.
Exige compreensão da história do aluno e não parte dela.
Perrenoud – Trabalho de equipe – Cooperação entre colegas.
Equívoco das escolas – recuperação com repetição
- Conselhos de classe x Conselhos de classe
Professores – Engajados na resolução dos problemas.
Uma atividade ética-Complexidade
Objetivo da Educação – Formação do sujeito capaz de:
• Saber o que fazer da vida -Construir sua própria história com ética - Ser solidário;
As reformas educacionais
- Tensão entre –o que é e o que deveria ser a realidade social.
• Ciclos - Professores itinerantes - Necessidades especiais -Prática classe excludente
• Aceleração - Integração dos alunos - Números alunos - Professores mal pagos
• Recursos – humanos e materiais.
Precisamos - Diálogo com a família
- Responsabilidade da Escola - compartilhar compromisso com professor e com a família. - Avaliação para promover a inclusão, não para excluir.
- Avaliar individualmente e não comparativamente.
Outra concepção de tempo em avaliação
O Tempo – Falta para diálogo professor x aluno.
Avaliação enquanto mediação significa:
• Encontro – Abertura – Diálogo - Interação
Não se pode delimitar: - È individual – Permanente - Experiência singular
Dar mais tempo para os alunos expressarem suas idéias.
Cada passo é uma grande conquista
Os alunos são diferentes. É preciso olhar:
Cada aluno: - Seu próprio tempo,- Jeito de aprender
Isso exige : - Quebra de padronização
- Acompanhamento do professor.
- Pedagogia diferenciada
- Que o professor atenda individualmente.
Perrenoud – explicações individualmente - Correções imediatas
“Em princípio, um bom treinador fica à beira do campo”
Todo aprendiz está sempre a caminho
Avaliar para promover:
- Anotação significativa – Observação do aluno.
- Registro
-Predomínio dos aspectos qualitativos sobre quantitativos L.D.B.
-Pedro Demo – Qualidade diferente quantidade.
Qualidade não pode ser medida, é filosófica, sensível, tem a ver com profundidade, perfeição e criação.
É importante refletir a cada passo
Se classes numerosas impedem atendimento individual, pode-se optar:
- Tutoria - Cada professor assume alguns alunos (conversas – compromisso – acompanhamento)
- Interdisciplininariedade. -Tirar o aluno do anonimato
-A auto-avaliação com processo contínuo -Não é auto-atribuição de conceitos
Relevante – Levar o aluno refletir sobre o seu aprender – continuamente (processo)
O professor deverá:- Contar histórias - Fazer perguntas - Conversar- Prestar -lhes atenção - Garantir condições de auto-reflexão – Descobertas - Conversar passo a passo.
- Este é o caminho para promover o seu aprender a aprender.
As múltiplas dimensões do olhar avaliativo
- Avaliação é sinônimo de controle.
- Controle é necessário para tomar decisões sobre a vida do Indivíduo.
- Resulta respeito – companheirismo “rigorosidade amorosa” – Paulo Freire
- História – Reprovação – garantia “uma escola de qualidade”
Cabe ao educador:
- Registros confiáveis – não provas
- Não à função burocrática
Controle para:
- Apoiar – conversar – sugerir rumos.
- Tirar fotos de cada aluno – diferentes momentos.
Para que? - Registrar obstáculos - As soluções dos alunos.
1º. Lugar – Conhecer indivíduos e grupos.
- Registrar maneiras de aprender e conviver.
- Ajudar prosseguir no ritmo e interesse.
2º. Lugar – Para planejar os próximos passos.
- Ajustar o roteiro.
- Refletir sobre os melhores caminhos.
Metas e objetivos
Pontos de chegada - Pontos de passagem - Rumos
Levar em conta a realidade – Influências - Respeito à individualidade
Avaliar para promover – Compromisso do professor.
Pedro Demo – qualitativo – intensidade e profundidade.
História – o Professor não reflete sobre os erros – corrige e dá as respostas corretas.
É preciso – Favorecer oportunidades e tempo para:
• Descoberta; - Reformular hipóteses - Testá-las - Confrontá-las com os colegas;
• Professor precisa – Teorias da aprendizagem (Como aprende?).
- Leitura investigativa - Humildade para perceber o aluno;
– Temas transversais – interdisciplinaridade;;
Professor precisa – Conhecer:
Psicologia do desenvolvimento;
• Interesses dos alunos;
• Com o aluno estrutura o pensamento;
O cenário da avaliação
Charlot – Educação – produção de si por si mesmo, pela mediação do outro, é com sua ajuda.
Condições de aprendizagem definem condições de avaliação.
Nova avaliação – Nova forma de ensinar. - Esse é desafio.
Perguntar mais do que responder
Avaliar – Essência questionar
Na classificatória – Verificar
Na mediadora - provocação
Prof e Alunos – Questionam-se -Buscam informações - Constroem conceitos - Resolvem problemas
Avaliação e Mediação
Compromisso do Educador – Mobilizar
Piaget e Vygotsky – mediação – interação
- Construção
- Reconstrução
Linguagem – é a mediação do pensamento.
- Dinâmica da Avaliação – Complexa
- Ação do Sujeito sobre os Objeto - Interação Social
Avaliação mediadora
Acompanhar a progressão do aluno
Percursos de Aprendizagem – DL
Respeitar: Princípios de:- Provisoriedade -Complementaridade
Hoje ainda no ciclo –avaliação classifica ( é preciso superar).
Mediando a mobilização
Charlot – prefere o termo mobilização ao de motivação.
Mobilização implica - por em movimento-Mobilização – de dentro.
Motivação – de fora (Por algo ou alguém).
Qual o papel do educador/ avaliador?
Para Mediar a Mobilização manter-se: - Flexível – Atento – Crítico
- Propor sem delimitar – Questionar – Provocar - Não Antecipar respostas possíveis
- Articular novas perguntas - Observar os estudantes
Mediar a Mobilização significa:
- Abrir espaço para encontros prof / aluno, aluno /aluno em sala de aula
- Planejar o tempo da descoberta - Espaços para conversas - Trocas de experiências
-Expectativas do prof (Classe) – Disciplina - Investigação (do Prof) permanente
Um desafio – pode levar a sentimentos
Mediar – Acompanhar o aluno em: Ação- Reflexão – Ação
1- Aprender 2 - Aprender a Aprender 3 -Aprender a conviver 4-Aprender a ser
Professor deve:
- Otimizar espaços significativos
- Ampliar oportunidade interação com objetivo do conhecimento
- Diversificar Atividades
- Diferentes portadores de texto (Livros, Jornais, Televisão, Radio, museus).
- Longitudinal, Gradativa, e Complementar.
- Estudantes – Constroem saberes e valores através de experiências vividas.
- Fazer Propostas: Diferentes - Oferecer ajuda
- Articular as necessidades -Não discriminar - Valorizar o diferente sem considerá-lo melhor ou pior - Não estimular competição e egoísmo - Opor-se á avaliação classificatória
Mediando a expressão do Conhecimento
Ciclo – Aprendizagem que evolui continuamente.
- Parte de Propostas mobilizadoras.
- Traduzem expressões de sentido - Constrói –se pelo educando
- É preciso – expressar o conhecimento construído
Registros em avaliação mediadora
É importante o registro para acompanhar a progressão da aprendizagem
Para que os registros sejam bons e precisos é necessário
-Ter clara sua finalidade
- Que ajudem o prof. resgatar uma memória significativa.
- Permitir analise do desenvolvimento do aluno.
Na Visão Classificatória
- Número de páginas - Organização no papel - Itens de resposta - Normais de redação técnica, etc.
Na Visão Mediadora:
- Não existe preocupação com critérios definidos, precisos.
- Instrumentos – pontos de partida. - Um questionário - Respostas inéditas, diferentes, imprevistas. - Perguntar, questionar o aluno para saber:
O que ele sabe - Até onde - O jeito que ele está aprendendo
Uma tarefa avaliativa bem elaborada:
- Favorece a expressão própria das idéias.- Diferentes estratégias de soluções
- Possibilita investigar hipóteses - Entender o raciocínio
-Planejar com clareza e finalidade
Cuidado na elaboração das tarefas
Não reproduzir frases de livros - Não Confundir a resposta do aluno
Evitar Interdependências de itens.
Revisão dos testes e tarefas
Importante – Analise conjunta dos testes e tarefas feitas pelos profs. De cada série, disciplinas, curso, antes de entregar aos alunos.
Dossiês – Portifólio – Relatórios
O Significado do registro para os professores
Toda experiência de registrar leva o prof:
- Observar-Interpretar - Julgar seus pensamentos e ações e por isso é um avanço
- Construir o processo lentamente refletindo a cada passo - Princípios atrelados a valores éticos, atrelados a nossa sensibilidade, ajudando o aluno a aprender a aprender.
Paulo Freire: PEDAGOGIA DA AUTONOMIA
PEDAGOGIA DA AUTONOMIA
SABERES NECESSÁRIOS À PRÁTICA EDUCATIVA
CAPiTULO 1 - NAo HÁ DOCÊNCIA SEM DISCÊNCIA
o autor ressalta a ímportância da reflexão crítica na formação docente na prática educativa. .
Como exemplo cita o ato de cozinhar , que exige o conhecimento do fogão, da regulagem da chama, da harmonização dos temperos. Mas é a prática de cozinhar, ratificando alguns daqueles saberes e retificando outros, que transforma o) novato em cozinheiro. O autor alinha e discute saberes fundamentais à prática educativo-critica ou progressista que considera obrigatórios na organização dos programas de formação docente:
» Ensinar inexiste sem aprender e vice- versa. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender. Foi aprendendo socialmente, ao longo dos séculos, que historicamente o Homem descobriu que era possível ensinar usando maneiras, caminhos e métodos. Não há validade no ensino, se este não resulta em aprendizado.
» Ensinar é um processo que deve deflagrar no aprendiz uma curiosidade crescente que poderá torná-lo mais e mais criador. Caso o educando mantenha viva em si a curiosidade, a rebeldia, a capacidade de arriscar-se, de aventurar-se, poderá ficar imune ao ensino "bancário". Fazem parte da força criadora do aprender a comparação, a repetição, a constatação, a dúvida rebelde, que superam o falso ensinar;
»Ensinar exige trabalhar com os educando. a rigorosidade metódica com que devem se aproximar do conhecimento. Não se trata apenas de transmitir o conteúdo, mas faze-lo de forma critica. Exige que os educadores sejam criadores, instigadores, inquietos, humildes e persistentes. -
» Ensinar exige pesquisa.: Faz parte da natureza da prática docente a indagação, a busca, a pesquisa. É preciso ue em sua formação permanente, o professor assuma como pesquisador
» Ensinar exige respeito aos saberes dos educandos .construídos na prática comunitária. Exige também discutir com os alunos a razão de ser desses saberes, em relação com o ensino dos conteúdos. Ex.:.aproveitar a experiência que têm os alunos de viver em áreas das cidades descuidadas pelo poder público para discutir a poluição dos riachos, os lixões, os riscos à saúde que ocasionam.
» Ensinar exige criticidade.:.A passagem da curiosidade ingênua à criticidade não se dá automaticamente. Uma das tarefas da prática educativo - progressista é desenvolver a curiosidade crítica, insatisfeita, indócil. Com ela podemos nos defender do excesso de "racionalidade" do nosso tempo altamente tecnológico.
» Ensinar exige estética e ética. O ensino dos conteúdos não é puro treinamento técnico, não pode dar-se alheio à formação moral do educando. Exige profundidade e não superficialidade na compreensão te interpretação dos fatos.
» Ensinar exige que as palavras sejam acompanhadas pelo exemplo. Pensar certo é fazer certo. O professor que rea1mente ensina, descarta o "faça o que eu mando e não o que eu faço".
» Ensinar exige risco, aceitação do novo e rejeição a qualquer forma de discriminação. Lembrando que o velho que é válido e que marca sua presença no tempo, continua novo. Quanto ao preconceito de raça de gênero e classe,- ofende a substantividade do ser humano e nega a democracia. I
» Ensinar exige reflexão crítica sobre a prática._Na educação, a reflexão critica sobre a prática impede que a teoria se torne blablablá e a prática se torne ativismo. Envolve o movimento dinâmico entre o fazer e o pensar sobre o fazer. A prática docente espontânea e "desarmada" produz um saber ingênuo feito só de experiência. Através da reflexão sobre a prática, a curiosidade ingênua, percebendo-se .como tal, vai se tornando crítica. Na sua formação docente inicial é preciso que o futuro professor saiba que o pensar certo não é um presente dos deuses, nem de iluminados intelectuais e nem se encontra pronto nos manuais. Ele tem que ser construído pelo próprio aprendiz em comunhão com o professor formador. Na formação permanente dos professores, o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática. Após assumir que a minha prática não condiz, devo ser capaz de mudar. Ex.: o simples fato de o fumante assumir que o cigarro ameaça a sua vida não significa parar de fumar; ele deve fazer a ruptura do fumo e assumir novos compromissos. O emocional ( a legítima raiva do fumo ) é um elemento fundamental na mudança. Na educação, a justa raiva contra as injustiças, contra a deslealdade, o desamor, a exploração e a violência tem um papel altamente formador.
» Ensinar exige o reconhecimento e a assunção da identidade cultural.-Uma das funções da educação crítica é dar condições aos alunos que se assumam como ser social e histórico: pensante, transformador, criador, realizador de sonhos. Isso se dá na relação uns com os outros e com o professor. Esta experiência histórica, política e social não se dá ao largo das forças que a favorecem ou daquelas que lhe são obstáculo. Os gestos de aprovação, de respeito aos sentimentos, às emoções do aluno, o cuidado com o espaço escolar ajudarão o educando a assumir-se a si mesmo e à sua classe social..
CAPÍTULO 2- ENSINAR NÃO Ê TRANSFERIR CONHECIMENTO ...
Mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção.
» Ensinar exige consciência do inacabamento do ser humano. Onde há vida, esta não está acabada. Daí ser imperiosa a prática formadora carregada de ética e de esperança, pois é possível intervir e melhorar o "destino". Disso, o educador consciente não pode fugir.
» Ensinar exige o reconhecimento de ser condicionado.:.Como ser inacabado e consciente da sua inconclusão, o ser humano é submetido a condições, obstáculos para evoluir. Ele deve se inserir num movimento de busca constante e ter a consciência de que esses obstáculos não são eternos nem intransponíveis. Ex.: temos que nos opor ao fatalismo do discurso neoliberal , quando afirma que nada se pode fazer contra o desemprego.
» Ensinar exige respeito à autonomia do ser do educando. O respeito à autonomia de cada um não é um favor, mas um imperativo ético. O professor que desrespeita o gosto estético do aluno, sua linguagem, sua inquietude, que ironiza o aluno e o manda "se colocar no seu lugar" pratica uma transgressão. Também rompe com a ética aquele professor que não cumpre o seu dever de colocar limites à liberdade do aluno ou que se furta do seu dever de ensinar
» Ensinar exige om senso. E o bom senso que me faz analisar a todo instante a minha prática e a tomar as decisões. É o bom senso que adverte o professor de que:Exercer a autoridade tomando decisões, orientando atividades, cobrando a produção individual e coletiva da classe não é sinal de autoritarismo. Não aceitar o trabalho do aluno fora do prazo, apesar das justificativas que apresentou serem convincentes é insensibilidade. É negativo, da mesma forma, o desrespeito pleno pelos princípios reguladores da entrega dos trabalhos . Há algo a ser compreendido no comportamento do aluno assustado, distante, medroso, escondendo-se até de si mesmo.
» Ensinar exige humildade, tolerância e luta em defesa dos direitos dos educadores. A luta em favor da educação e dos educadores passa pela luta por salários dignos. O descaso do poder público nesse sentido é tanto que podemos correr o risco de cruzar os braços achando que "não há o que fazer". Entretanto, uma das formas de luta é a nossa recusa de transformar a nossa prática docente em um "bico" ou de exercê-Ia como prática afetiva de "tia ou tio". É como profissionais idôneos que se organizam politicamente que está a força dos educadores. Os órgãos de classe deveriam priorizar o empenho de formação permanente dos quadros do magistério como tarefa política e repensar a eficácia das greves. Não é parar de lutar, mas reinventar a forma histórica de lutar.
» Ensinar exige apreensão da realidade. Se o professor tem uma prática progressista, sua prática não pode ser neutra. Deve estar atento ao fato de que seu trabalho pode ser um estimulo à superação. Deve haver o respeito à pessoa que queira mudar ou que se recuse a mudar. Contudo, o professor não deve esconder-lhe a sua postura. Ex.: numa conversa pública, um jovem disse a Paulo Freire: " Não entendo como o senhor defende os sem- terra, no fundo uns baderneiros" . "Pode haver baderneiros entre os sem- terra", respondeu o professor, "mas sua luta é legítima e ética; baderneira é a resistência de quem se opõe a ferro e fogo à reforma agrária". Embora a conversa tenha terminado aí, foi importante que o professor tenha dito o que pensava.
» Ensinar exige alegria e esperança. Sem a esperança não haveria a História, mas puro determinismo. A desesperança nos imobiliza. A pessoa progressista que não teme a novidade, que se sente mal com as injustiças, que se ofende com as discriminações, que recusa o fatalismo, deve ser criticamente esperançosa.
» Ensinar exige a convicção de que a mudança é possível.=.O educador progressista vê a História como possibilidade e não como determinação. O futuro para ele é problemático, mas não inexorável. Constata o mundo, não para adaptar-se, mas para mudar. Percebe as resistências das classes populares como manhas necessárias à sobrevivência. Ex.: o sincretismo religioso afro- brasileiro expressa a resistência ou manha com que a cultura africana se defendia do colonizador branco. Uma das questões centrais é evoluir de posturas rebeldes para posturas revolucionárias que nos engajam no processo de transformação do mundo. Não se trata de impor à população oprimida que se rebele para mudar o mundo. Trata-se de, simultaneamente ao trabalho que se realiza - alfabetizar, evangelizar - desafiar os grupos populares a perceberem em termos críticos a violência concreta. Não como destino ou vontade de Deus, mas como algo que pode ser mudado. O poder dominante tenta inculcar no dominado a culpa pela sua situação. Isso deve ser desvelado também. O educador progressista, entretanto, descarta a -tática do "quanto pior melhor"; nem tampouco deixa relegado a um segundo plano o ensino, transformando a classe num "comício-libertador".
» Ensinar exige curiosidade. O educador entregue a procedimentos autoritários dificulta o exercício da curiosidade do educando e tolhe sua própria curiosidade. O bom clima pedagógico é aquele em que o educando vai
aprendendo na prática que o limite da sua curiosidade e da sua liberdade é a privacidade do outro.
Ormas de autoritarismo e licenciosidade, que precisamos superar
principalmente através do diálogo.
CAPÍTULO 3 - ENSINAR Ê UMA ESPECIFICIDADE HUMANA
» Ensinar exige segurança, competência profissional e generosidade. Nenhuma autoridade docente se exerce se não existe a competência profissional. O professor deve levar a sério sua tarefa, estudar, se esforçar para estar à altura dela, ou não terá força moral para coordenar as atividades de sua classe. Outra qualidade indispensável à autoridade é a generosidade. Esta descarta tanto a arrogância no trato com “os outros”, como à indulgência macia no trato com “os seus”. O clima de respeito nasce de relações justas, sérias, humildes, generosas, em que a autoridade docente e as liberdades dos alunos se assumem eticamente.
» Ensinar exige comprometimento._Não posso ser professor sem me colocar diante dos alunos, sem revelar minha maneira de ser, de pensar politicamente, sem me submeter à apreciação dos alunos. Não posso passar despercebido pelos alunos e isso aumenta em mim os cuidados com o meu desempenho.
Minha presença de professor é uma presença política; não posso ser uma omissão, mas um sujeito de opções.
» Ensinar exige compreender que a educação é uma forma de intervenção no mundo. Neutra, a educação nunca foi, é, ou será. Exige do professor uma definição, uma tomada de posição. A intervenção, além do conhecimento dos conteúdos bem ou mal ensinados e/ou aprendidos implica tanto o esforço de reprodução da ideologia dominante, quanto o seu desmascaramento. É o aspecto contraditório da educação. Nem somos seres determinados, nem livres de condicionamentos genéticos, culturais, de classe, de gênero, que nos marcam.
Do ponto de vista dos interesses dominantes, a educação deve ser prática imobilizadora e ocultadora. Quando a classe dominante é progressista, o é "pela metade". Ex.: o empresariado urbano pode mostrar-se progressista face à reforma agrária, mas retrógrado diante dos interesses do mercado. O educador consciente e critico não atribui a "forças cegas" os danos que a obediência irrestrita à lei do mercado causa aos seres humanos. Reconhece que não há fatalidade no desemprego e na miséria.
» Ensinar exige liberdade e autoridade._Para o professor é dificil, muitas vezes, caminhar com naturalidade entre a autoridade e a liberdade. É importante se estabelecer os limites, sem os quais a liberdade se transforma em licenciosidade. A liberdade amadurece no confronto com outras liberdades, na defesa de seus direitos face à autoridade dos pais, professores, do Estado. Para exercitar a liberdade é preciso aprender a tomar decisões. É decidindo que se aprende a decidir. É correndo o risco e assumindo as conseqüências das decisões que se tomou. Este processo fundamenta a autonomia. Uma pedagogia da autonomia deve estar centrada em experiências estimuladoras da decisão e da responsabilidade, que constroem a liberdade.
» Ensinar exige tomada consciente de decisões._O que cabe ao educador consciente de que a educação não é neutra é forjar em si um saber especial, que jamais deve abandonar: se a educação não pode tudo, alguma coisa fundamental a educação pode. Se a educação não é a chave das transformações sociais, não é também simplesmente reprodutora da ideologia dominante. O educador não pode transformar o país, mas pode demonstrar que é possível mudar, dada a importância de sua tarefa político- pedagógica.
» Ensinar exige saber escutar._Quem tem o que dizer deve assumir o dever de desafiar quem escuta para que este fale, responda. O educador autoritário comporta-se como proprietário da verdade e discorre sobre ela, numa atitude intolerável. Sua fala se dá num espaço silenciado. Ao contrário, o educador democrático aprende a falar escutando. Está mais interessado em comunicar do que em fazer comunicados, em escutar a indagação, a dúvida, a criação de quem escutou.
» Ensinar exige reconhecer que a educação é ideológica. A força da ideologia fatalista é querer convencer os prejudicados das economias submetidas de que a realidade é assim mesmo, de que não há nada o que fazer a não ser seguir a ordem natural dos fatos. Quando o discurso da globalização fala de ética, se refere à do mercado. Não àquela da solidariedade, a favor dos legítimos interesses humanos. A liberdade do comércio não pode estar acima da liberdade do ser humano. O progresso científico e tecnológico que não responde aos interesses humanos , perde a sua significação. A todo avanço tecnológico que ameace mulheres e homens de perder o seu trabalho, deveria haver uma resposta imediata.
Pois é uma questão ética e política e não só tecnológica. Não se trata de inibir a pesquisa, mas de colocá-Ia a serviço dos seres humanos. Por causa de tudo isso, como professor, deve-se estar atento ao discurso que proclama a morte das ideologias. Este, sim, altamente ideológico, que ameaça anestesiar as mentes, confundir , distorcer a percepção dos fatos.
» Ensinar exige disponibilidade para o diá1ogoo~Nas relações com outros que não fizeram a mesma opção política, ética, estética ou pedagógica, é no respeito às diferenças, na coerência entre o que se diz e o que se faz que se constrói a disponibilidade para o diálogo. Deveria fazer parte da aventura docente a abertura respeitosa ao outro e a reflexão critica conjunta. A razão ética desta abertura possibilita o diálogo.
» Ensinar exige querer bem aos educandos: É preciso descartar como falsa a separação entre seriedade docente e afetividade. A prática docente deve ser vivida com alegria, afetividade, emoção e sentimento .. Sem prescindir da formação científica séria, da clareza política, da luta por seus direitos e pela dignidade de sua tarefa.
sábado, 19 de dezembro de 2009
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