ELIMINAÇÃO ADIADA: O OCASO DAS CLASSES
POPULARES NO INTERIOR DA ESCOLA E A OCULTAÇÃO
DA (MÁ) QUALIDADE DO ENSINO
LUIZ CARLOS DE FREITAS*
RESUMO: Neste estudo faz-se uma crítica às formas de implementar
políticas de avaliação baseadas em “responsabilização”, em curso no
MEC-INEP, bem como se propõe uma forma alternativa de lidar com
o problema, baseada em “qualidade negociada” com envolvimento
bilateral do Estado e da escola. Propõem-se elementos iniciais para
uma política de Estado no campo da avaliação e localiza-se o processo
de avaliação institucional da escola como o elo entre a avaliação externa
de sistema e a escola e seus profissionais. Alerta-se para o fato de
que as políticas de responsabilização unilaterais conduzirão à configuração
de escolas para pobres e escolas para ricos, bem como se alerta
para o risco de que os sistemas de avaliação externa centralizados
na Federação ocultem, em indicadores estatísticos como o IDEB, as dificuldades
que as classes populares estão tendo para aprender no interior
da escola, legitimando estratégias que somente conduzem ao
adiamento da exclusão destas – apesar do discurso da transparência
e responsabilidade.
Palavras-chave: Eliminação adiada. Avaliação institucional. Avaliação
de sistema. Responsabilização. Qualidade negociada.
A surpresa, em matéria de avaliação do ensino fundamental, neste
momento, fica por conta do aprofundamento das políticas liberais
da era FHC sob o governo de Luis Inácio Lula da Silva. Os
que nele votamos esperávamos, já no primeiro mandato, uma mudança
significativa de rota. Não ocorreu. Agora, assistimos à sua conversão
plena às propostas liberais de “responsabilização” e de privatização do
público.1 A Prova Brasil e o Índice de Desenvolvimento da Educação
Básica (IDEB) (Fernandes, 2007b) são a ponta do iceberg desta mesma
concepção. Ao passo que a política de avaliação do ensino superior, com
a eliminação do Provão e a constituição do SINAES, parece caminhar no
rumo certo, a política de avaliação do Ensino Fundamental envereda
por caminhos duvidosos.
Segundo Reynaldo Fernandes, atual presidente do INEP, considerado
o mentor do IDEB:
Antes do No Child Left Behind [lei aprovada em 2002, no governo
Bush, que visa à melhoria da qualidade da educação por meio de um sistema
de prestação de contas baseado em resultados], a maioria dos Estados
já tinha sistema de avaliação. Nos que primeiro criaram um sistema,
a evolução do desempenho dos alunos foi mais acentuada. Esses sistemas
fazem com que as escolas e os dirigentes dos sistemas (secretários,
prefeitos e governadores) se sintam responsáveis pelo desempenho. É a
idéia da responsabilização, de accountability. (Fernandes, 2007a, grifos
meus)
Segundo Araújo, ex-presidente do INEP:
Educ. Soc., Campinas, vol. 28, n. 100 - Especial, p. 965-987, out. 2007 967
Disponível em
Luiz Carlos de Freitas
Todo o PDE [Plano de Desenvolvimento da Educação] está ancorado justamente
na criação do Índice de Desenvolvimento da Educação Brasileira
– IDEB, que pondera os resultados do SAEB, da Prova Brasil e dos indicadores
de desempenho captados pelo censo escolar (evasão, aprovação
e reprovação). Cria um indicador que varia de zero a dez, desdobrável
por estado e por município e por redes de ensino [e agora por escola]. A
partir da construção do IDEB, o MEC vinculará o repasse de recursos
oriundos do FNDE à assinatura de compromisso dos gestores municipais
com determinadas metas de melhoria dos seus indicadores ao longo de
determinado período. (2007, p. 1; comentários entre colchetes meus)
A estratégia de relacionamento com os municípios é gerencial,
estabelecendo uma relação direta com governadores e prefeitos. Segundo
Amaury Patrick Gremaud, diretor de Avaliação da Educação Básica
do INEP: “O objetivo é usar o sistema de avaliação para prestar conta à
sociedade, introduzir a transparência e comprometer as pessoas de um
modo geral em busca da melhoria da qualidade de ensino” (Seminário
realizado em Salvador, em julho de 2007; grifos meus).2 Araújo (2007,
p. 4) tem outra posição:
Por isso concluo que o IDEB é mais um instrumento regulatório do que um
definidor de critérios para uma melhor aplicação dos recursos da União visando
alterar indicadores educacionais. O resultado de cada município e
de cada estado será (e já está sendo) utilizado para ranquear as redes de
ensino, para acirrar a competição e para pressionar, via opinião pública, o
alcance de melhores resultados. Ou seja, a função do MEC assumida pelo
governo Lula mantém a lógica perversa vigente durante doze anos de FHC.
Já no final do ano de 2002, ainda sob o Governo FHC, o INEP financiava
um convênio com o Núcleo de Estudos da População (NEPO), da
UNICAMP, para desenvolver Indicadores de Produtividade do Sistema Educacional
que envolveu a realização de um seminário sobre um possível Indicador
Municipal de Desenvolvimento Educacional (IMDE) para o ensino médio
regular (Cunha et al., 2002).
Boa parte dos problemas que estamos enfrentando com a educação
básica nacional advém do próprio formato ideológico do projeto
liberal hegemônico, agora “sob nova direção”: ele reduz qualidade a
acesso – supostamente como uma primeira etapa da universalização.
Mas, antes de ser uma etapa em direção à qualidade plena da escola
pública, é um limite ideológico, como bem aponta Alavarse (2007).
Os liberais admitem a igualdade de acesso, mas como têm uma ideologia
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Eliminação adiada: o ocaso das classes populares no interior da escola...
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baseada na meritocracia, no empreendedorismo pessoal, não podem
conviver com a igualdade de resultados sem competição. Falam de igualdade
de oportunidades, não de resultados.3
Para eles, os resultados dependem de esforço pessoal, uma variável
interveniente que se distribui de forma “naturalmente” desigual na
população, e que deve ser uma retribuição ao acesso permitido. Eles
não podem aceitar que uma espécie de “acumulação primitiva” (Marx)
ou um ethos (Bourdieu) cultural sequer interfira com a obtenção dos
resultados do aluno. Se aceitassem, teriam de admitir as desigualdades
sociais que eles mesmos (os liberais) produzem na sociedade e que entram
pela porta da escola. Isso faz com que a tão propalada eqüidade
liberal fique, apesar dos discursos, limitada ao acesso ou ao combate
dos índices de reprovação. Como a progressão continuada já demonstrou,
ausência de reprovação não é sinônimo de aprendizagem e qualidade
(Cf. Bertagna, 2003).
Como analisamos em outro artigo (Freitas, 2002), esta postura
tende a postergar os problemas políticos, econômicos e sociais que o
liberalismo enfrenta com sua política econômico-social, mas não resolve
o problema da universalização da qualidade da educação básica.
Há hoje um grande contingente de alunos procedentes das camadas
populares que vivem o seu ocaso no interior das escolas, desacreditados
nas salas de aula ou relegados a programas de recuperação, aceleração,
4 progressão continuada e/ou automática, educação de jovens e
adultos, pseudo-escolas de tempo integral, cuja eliminação da escola
foi suspensa ou adiada e aguardam sua eliminação definitiva na passagem
entre ciclos ou conjunto de séries, quando então saem das estatísticas
de reprovação, ou em algum momento de sua vida escolar onde a
estatística seja mais confortável.
A Prova Brasil e os usos previstos para ela (acesso à avaliação de
cada escola via internet, por exemplo), como forma de responsabilização,
poderiam fazer parte de qualquer programa liberal (do Partido
Democrata brasileiro até o Partido Republicano de Bush, para não falar
da dobradinha Thatcher/Blair). Trabalham dentro da perspectiva de
que “responsabilizar a escola”, expondo à sociedade seus resultados, irá
melhorar a qualidade do ensino. A idéia completa dos republicanos de
Bush (iniciada com Reagan) ou dos conservadores de Thatcher implica,
no momento seguinte à divulgação dos resultados por escola, transformar
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o serviço público em mercado (ou mais precisamente em um quase mercado),
deslocando o dinheiro diretamente para os pais, os quais escolhem
as melhores escolas a partir da divulgação desses resultados, de
preferência estando as escolas sobre administração privada. É a política
dos “vouchers”, que dá o dinheiro aos pais e não à escola. Paralelamente,
tende a criar um mercado educacional para atender ao fracasso escolar.
No Brasil já se criou o mecanismo para iniciar a privatização: Organizações
da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs) que podem
administrar escolas antes públicas. Para os liberais, a ação do mercado
forçaria à elevação da qualidade de ensino.
Todas estas ações encobrem o pano de fundo mencionado antes:
nossa sociedade produz tamanha desigualdade social que as instituições
que nela funcionam, se nenhuma ação contrária for adotada, acabam
por traduzir tais desigualdades como princípio e meio de seu funcionamento
(Bourdieu & Passeron, 1975; Baudelot & Establet,
1986).5 Todos concordamos em que isso não é desejável, mas meras
políticas de eqüidade apenas tendem a ocultar o problema central: a
desigualdade socioeconômica. Não é sem razão que os melhores desempenhos
escolares estão nas camadas com melhor nível socioeconômico,
brancas (Cf. Miranda, 2006, entre outros estudos disponíveis).
Isso não significa que todas as escolas não tenham de ser eficazes
em sua ação. Muito menos que as escolas que atendem à pobreza estejam
desculpadas por não ensinarem, já que têm alunos com mais dificuldades
para acompanhar os afazeres da escola. Ao contrário, delas se
espera mais competência ainda. Mas os meios e as formas de se obter
essa qualidade não serão efetivos entregando as escolas à lógica
mercadológica. A questão é um pouco mais complexa. Deixada à lógica
do mercado, o resultado esperado será a institucionalização de escola
para ricos e escola para pobres (da mesma maneira que temos celulares
para ricos e para pobres). As primeiras canalizarão os melhores
desempenhos, as últimas ficarão com os piores desempenhos. As primeiras
continuarão sendo as melhores, as últimas continuarão sendo
as piores. Mas o sistema terá criado um corredor para atender as classes
mais bem posicionadas socialmente, o que será, é claro, atribuído
ao mérito pessoal dos alunos e aos profissionais da escola.
O atual presidente do INEP não ignora estes problemas, antes os
conhece. Diz ele:
Quando se cria um sistema de avaliação e passa a haver responsabilização
pelos resultados, os gestores vão se preocupar com as notas e as metas.
Qual é a defesa desse sistema: se existe um mecanismo para atribuir responsabilidades,
os gestores vão melhorar o ensino. Quais são as críticas?
Eles podem tentar falsear as notas, excluir os alunos mais fracos. Nos Estados
Unidos, isso aconteceu. Esses argumentos não têm como ser
revidados. Mas não pode deixar de dar um “remédio” para a educação
por causa dos efeitos colaterais que ele pode causar. Temos de ver se é
melhor ou pior para a qualidade da educação. Acho que é melhor. Os
efeitos colaterais devem ser combatidos. Quando a primeira-ministra
Margareth Thatcher fez a reforma educacional, diziam que era uma visão
de direita. Quando o Tony Blair se tornou primeiro-ministro, acreditavam
que ele suspenderia a reforma. Mas ele a reforçou e combateu
os “efeitos colaterais”. Criou um programa de combate à exclusão dos piores
estudantes, e as expulsões de alunos diminuíram absurdamente.
(Fernandes, 2007a)
Como se vê, a exclusão da pobreza é “efeito colateral” de “remédios”
e Margareth Thatcher estava certa. Lá como cá, o governo progressista,
que deveria ter revertido as políticas neoliberais, não o fez.
Para o presidente do INEP, Tony Blair está certo em não reverter as políticas
de Thatcher, portanto concluo que Lula também está certo em
não reverter e aprofundar as políticas da era FHC. Agora, sobre o êxito
das experiências do Governo Bush no âmbito da educação, há controvérsias.
No The New York Times de 16 de abril de 2004 pode-se ler:
A competição entre escolas públicas e privadas que o governo Bush está
encorajando esquentou outro dia, na porta da sala 207, da Escola Elementar
Wentworth, em Chicago. Durante vários meses, uma empresa
privada financiada pelo governo federal enviou professores para darem
aulas complementares a alguns alunos de Wentworth. Sem sucesso, o
professor tentava controlar uma dezena de bagunceiros. A empresa enviou
um supervisor para resolver a questão. Effie McHenry, diretora de
Wentworth, balançava a cabeça com ar de desaprovação. “Simplesmente
não acho que eles estão preparados para lidar com as crianças das zonas
mais pobres”, disse McHenry sobre os professores da empresa. “Acho
que esperavam encontrar crianças sentadas, esperando explicações. Essas
crianças não são assim. Elas precisam de instrução com desafios”.
O Chile, laboratório de idéias neoliberais, discute há anos como
aumentar o valor do repasse às escolas que aceitam alunos pobres para
motivar as escolas melhores a recebê-los, em face da desmotivação destas
O verdadeiro limite à universalização da melhoria da qualidade
da escola é a própria ideologia meritocrática liberal. Caso a avaliação se
coloque a serviço dela, então ficará limitada à medição do mérito e à
ocultação da desigualdade social sob a forma de indicadores “neutros”
como o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) criado
pelo MEC.
Embora nível socioeconômico seja um nome elegante e dissimulador
das situações de desigualdade social, ele é fundamental para se entender
o impacto dessa desigualdade social na educação. Nem todas as
camadas sociais sofrem da mesma forma com as agruras da realidade escolar
do país – as camadas populares sofrem mais.
Durante muito tempo duas vertentes se opuseram no cenário educacional:
uma tentando explicar o fracasso escolar por fatores pedagógicos
internos à escola, e outra tentando explicar o mesmo fracasso por fatores
externos à escola, sociais. Como é comum acontecer nesses casos,
nenhuma delas, isoladamente, dá conta do fenômeno. A dialética se impõe.
As duas causas são pertinentes na explicação do fracasso. Se isso é
verdadeiro, as políticas de eqüidade devem ser associadas às políticas de
redução e eliminação das desigualdades sociais, fora da escola. Isso implica
continuar a produzir a crítica do sistema social que cerca a escola,
além de introduzir a importância do nível socioeconômico como variável
relevante nas análises de avaliação do desempenho do aluno e da escola.
É importante saber se a aprendizagem em uma escola de periferia
é baixa ou alta. Mas fazer do resultado o ponto de partida para um
processo de responsabilização da escola via prefeituras leva-nos a explicar
a diferença baseados na ótica meritocrática liberal: mérito do diretor
que é bem organizado; mérito das crianças que são esforçadas; mérito
dos professores que são aplicados; mérito do prefeito que deve ser
reeleito etc. Mas e as condições de vida dos alunos e professores? E as
políticas governamentais inadequadas? E o que restou de um serviço
público do qual as elites, para se elegerem, fizeram de cabide de emprego
generalizado, enquanto puderam, sem regras para contratação
ou demissão? O que dizer da permanente remoção de professores e especialistas
a qualquer tempo, pulando de escola em escola? O que dizer
dos professores horistas que se dividem entre várias escolas? O que
de sobrevivência e muito menos para criar um ambiente propício
ao estudo? Sem falar do número de alunos em sala de aula.
Diante deste quadro, escolher apenas uma variável, desempenho
do aluno, para analisar a educação básica brasileira, como o IDEB faz, é
certamente temerário em face deste complexo de variáveis. Como alerta
Araújo (2007), parece que o governo não aprendeu nada com o finado
Provão.
No próprio censo escolar que as escolas enviam ao MEC existem
outras variáveis que poderiam ser levadas em conta e permitir uma modelagem
melhor da realidade.
Novas formas de exclusão
Nossa preocupação vai mais além. Diz respeito ao aparecimento
de novas formas de exclusão que estão sendo implementadas nos
sistemas e sobre as quais temos pouco controle e conhecimento. Continuamos
raciocinando em termos de reprovação, forma antiga de exclusão
que coexiste, agora, com outras mais recentes desenvolvidas nos
sistemas.
Em 1991 (Freitas, 1991) propusemos o conceito de “eliminação
adiada” para identificar uma das situações geradas no processo de exclusão
das camadas populares do interior da escola: o conceito referiase
à permanência dos alunos dessas camadas na escola durante algum
tempo, postergando sua eliminação da escola e realizando-a em outro
momento mais oportuno. Bourdieu e Champagne (apud Bourdieu,
2001, p. 221) chamaram esta categoria de “exclusão branda”:
Seria necessário mostrar aqui, evitando encorajar a ilusão finalista (ou, em
termos mais precisos, o “funcionalismo do pior”), como, no estado completamente
diferente do sistema escolar que foi instaurado com a chegada
de novas clientelas, a estrutura da distribuição diferencial dos benefícios
escolares e dos benefícios sociais correlativos foi mantida, no essencial,
mediante uma translação global de distâncias. Todavia, com uma diferença
fundamental: o processo de eliminação foi diferido e estendido no
tempo, e por conseguinte, como que diluído na duração, a instituição é
habitada, permanentemente, por excluídos potenciais que introduzem nela
as contradições e os conflitos associados a uma escolaridade cujo único
objetivo é ela mesma. (Grifos meus)
do capital cultural, fazem com que as mais altas instituições escolares
e, em particular, aquelas que conduzem às posições de poder
econômico e político, continuem sendo exclusivas como foram no passado.
E fazem com que o sistema de ensino, amplamente aberto a todos
e, no entanto, estritamente reservado a alguns, consiga a façanha de reunir
as aparências da “democratização”. (p. 223; grifos meus)
Esta parece ser a base da construção das novas formas de exclusão
nos anos de 1990, que agora atuam longitudinalmente, por dentro
do sistema, sem necessidade de excluir fisicamente o aluno no início
da escola básica, por reprovação. Os processos de avaliação informal
vão construindo “trilhas de progressão diferenciadas” no interior das salas
de aula e das escolas.7 Do ponto de vista do sistema, a exclusão foi
internalizada a custos menores – tanto econômicos como políticos (cf.
Freitas, 2002).
As novas formas de exclusão atuam agora por dentro da escola fundamental.
Adiam a eliminação do aluno e internalizam o processo de
exclusão. Do ponto de vista da avaliação, essas novas formas de exclusão
levam a uma redução da ênfase na avaliação formal e pontual do
aluno em sala de aula (introduzem novas formas de organização escolar:
progressão continuada, progressão automática, ciclos etc., e novas
formas de avaliação informais), liberando o fluxo de alunos no interior
da escola e conduzindo ao fortalecimento do monitoramento por avaliação
externa, avaliação de sistema centralizada (Prova Brasil, SAEB,
SARESP, SIMAVE etc.). Nesses sistemas de avaliação o desempenho individual
é subsumido nas estatísticas que lidam, preferencialmente, com
tendências globais dos sistemas de ensino ao longo do tempo, a partir
da proficiência média dos alunos.
O mais grave é o fortalecimento da idéia de que seria possível,
a partir de sistemas de larga escala centralizados em Brasília ou em
uma capital, reorientar escolas específicas, a distância, por exposição
dos resultados à sociedade e acordos com prefeitos. Pode-se imaginar
a pressão autoritária, verticalizada, que os acordos assinados entre
os prefeitos e o governo federal, para assumir metas do IDEB para
seu município e obter verbas, vão gerar nas escolas e em seus profissionais.
Não deveria ser este o papel da avaliação em larga escala ou
de sistema, como veremos mais adiante, a qual deveria ser destinada,
escolas. Para o presidente do INEP: “O dia em que um prefeito perder
a eleição porque foi mal na educação, não cumpriu as metas, aí estaremos
no caminho correto. O aluno não pode ser punido” (Fernandes,
2007a).
Muito antes disso, os prefeitos implantarão progressão continuada
e liberarão o fluxo no sistema. Depois, contratarão sistemas privados
de ensino (do tipo Objetivo, COC etc.) para enquadrar a metodologia
usada pelos professores,8 quando não entregarão escolas inteiras
às OSCIPs, ampliando o mercado educacional. Finalmente, treinarão os
alunos para as provas do SAEB e da Prova Brasil – entre outras “ações
criativas”.
Importante assinalar que a redução da ênfase na avaliação formal
do aluno, em sala de aula, e seu deslocamento para processos informais
de avaliação (Freitas, 2003), bem como a ênfase maior em
processos mais gerais de avaliação de sistema, fazem com que a qualidade
seja objeto de medidas de desempenho como eficiência do sistema
de ensino e não como igualdade de resultados dos alunos matriculados
nas escolas desse sistema. Verificam-se apenas as grandes
tendências ao longo do tempo. Mesmo quando o IDEB é por escola,
ele pode transformar-se em um mecanismo de ocultação do ocaso de
grande quantidade de alunos procedentes das camadas populares que
“habitam” a sala de aula, de forma aparentemente democrática, mas
sem que signifique, de fato, acesso a conteúdos e habilidades. Monitora-
se o desempenho global do sistema (ou da escola), mas não se
todos estão aprendendo realmente. Aqui, não há meio-termo: há de
se ensinar tudo “a todos e a cada um” (Betini, 2004, p. 251). Para o
INEP, isso poderá ocorrer em 2095, quando todo o sistema estaria com
o IDEB convergindo em 9.9.9
O que fazer então? Em primeiro lugar, abandonar a visão autoritária
típica da época da ditadura brasileira, quando se acreditou que
gestão verticalizada e treinamento de professor resolveriam o problema
da escola brasileira. Nascia aí o tecnicismo (Saviani, 1982). Estamos
agora diante de um “neotecnicismo” (Cf. Freitas, 1992), em que
acordos de gestão com prefeitos (em cascata para dentro dos sistemas),
responsabilização e treinamento do professor via CAPES e Universidade
Aberta do Brasil são a estratégia.
negociada
Há de se reconhecer as falhas nas escolas, mas há de se reconhecer,
igualmente, que há falhas nas políticas públicas, no sistema socioeconômico
etc. Portanto, esta é uma situação que, à espera de soluções
mais abrangentes e profundas, só pode ser resolvida por negociação e
responsabilização bilateral: escola e sistema. Os governos não podem
“posar” de grandes avaliadores, sem olhar para seus pés de barro, para
suas políticas, como se não tivessem nada a ver com a realidade educacional
do país de ontem e de hoje.
A estratégia liberal é insuficiente porque responsabiliza apenas
um dos pólos: a escola. E o faz com a intenção de desresponsabilizar o
Estado de suas políticas, pela responsabilização da escola, o que prepara
a privatização. Para a escola, todo o rigor; para o Estado, a relativização
“do que é possível fazer”. Em nossa opinião, uma melhor relação
implica criar uma parceria entre escola e governo local (municípios),
por meio de um processo que chamamos de qualidade negociada, via
avaliação institucional.
Qualidade negociada é um conceito que nos chega por intermédio
de um estudo de Anna Bondioli (2004). Ele reforça uma certa tradição
de se conceber a avaliação educacional no Brasil que tem ancoragem
em autores como Lüdke (1984), Saul (1988), Dias Sobrinho
(2002a; 2002b), entre outros.
Para a autora, definir qualidade implica explicitar os descritores
fundamentais da sua natureza, ou seja: seu caráter negociável, participativo,
auto-reflexivo, contextual/plural, processual e transformador. A
qualidade, em seu aspecto negociável, é vista da seguinte forma:
A qualidade não é um dado de fato, não é um valor absoluto, não é adequação
a um padrão ou a normas estabelecidas a priori e do alto. Qualidade
é transação, isto é, debate entre indivíduos e grupos que têm um
interesse em relação à rede educativa, que têm responsabilidade para com
ela, com a qual estão envolvidos de algum modo e que trabalham para
explicitar e definir, de modo consensual, valores, objetivos, prioridades,
idéias sobre como é a rede (...) e sobre como deveria ou poderia ser.
(Bondioli, 2004, p. 14)
passando de uma visão de “responsabilização” para uma visão de participação
e envolvimento local na vida da escola (Cf. Freitas et al., 2004).
Os mecanismos para este processo ocorrer devem ser baseados no projeto
político-pedagógico da escola (sintonizado com as políticas públicas
de Estado e governo) e no processo de avaliação institucional, ao qual
voltaremos mais adiante. Entretanto, este caminho exige políticas de
Estado para o ensino e para a avaliação.
Políticas de Estado para a avaliação
Todos sabemos que políticas de governo são vulneráveis. A
descontinuidade é uma realidade em todas as esferas de governo. É preciso
que algumas condições facilitadoras estejam acima dos governos e,
para isso, há de se dispor de leis que estabeleçam políticas de Estado.
Daí que a articulação governo federal/governo municipal não seja suficiente.
Acredito que alguns aspectos já podem ser listados como objeto
de tais políticas:
1. Instituir a obrigatoriedade da avaliação de sistema (políticas
públicas educacionais) no âmbito municipal, com periodicidade
bienal, sob controle do Conselho Municipal de Educação.
SAEB, Prova Brasil e os sistemas estaduais de avaliação são mecanismos
de acompanhamento do âmbito federal ou estadual e devem
ser voltados para o monitoramento das tendências globais
desses sistemas. Sua função não é entender o que ocorre em uma
escola específica. Entretanto, a avaliação de sistema no nível municipal
tem a finalidade de permitir um acompanhamento do
conjunto dos resultados das escolas da rede e, pela proximidade,
ser mais um elemento a ser levado em conta no processo de
avaliação institucional de cada escola. Técnicas não-paramétricas
como Análise por Envoltória de Dados podem ser utilizadas para
se definir uma fronteira de eficiência entre escolas, levando em
conta a realidade particular de cada rede e o resultado de avaliações
nacionais e/ou locais (Cf. Rodrigues, 2005). A proximidade
e o tamanho permitiriam também estudos longitudinais de
painel (em que os mesmos alunos são acompanhados ao longo
SAEB e pela Prova Brasil (ver, por exemplo, Poli, 2007).10
2. Instituir a obrigatoriedade de processos de avaliação do projeto
político-pedagógico das escolas, com periodicidade anual,
no âmbito dos municípios, sob controle das redes de ensino.
Complementarmente, definir a obrigatoriedade de que esse processo
seja democrático, na forma de avaliação institucional escolar
participativa, por meio da qual os que constroem a vida da
escola tenham voz.
3. Instituir a obrigatoriedade da avaliação do professor e dos demais
profissionais da escola pelos municípios, fixando amplas
oportunidades e mecanismos de melhoramento da atuação do
profissional e fixando, igualmente, os termos de seu desligamento
do serviço público, para aqueles casos em que tais oportunidades
não venham a ser adequadamente aproveitadas com impacto em
sua atuação na escola, observadas as condições de trabalho oferecidas
pelo sistema municipal e pela escola e “negociadas” no processo
de avaliação institucional com a comunidade escolar.
4. Definir um teto para gastos dos municípios com os processos
de avaliação com o fim de evitar a mercantilização destes e a retirada
de recursos necessários para outras áreas de ensino.
5. É importante, ainda, criar um programa de apoio aos municípios,
com recursos, junto ao INEP, para alavancar, do ponto de
vista técnico, o trabalho de implantação destas políticas junto
com os municípios – tanto no campo da avaliação de sistemas
como no campo da avaliação institucional.
A idéia, portanto, é que, à municipalização do ensino, deve seguir-
se a municipalização da avaliação. Em vez de tentar “adivinhar”,
de Brasília, por que uma escola em um determinado município não se
sai bem (ou mandar especialistas visitá-las), propomos que isso seja feito
por quem está mais próximo da escola, o município ou organismos
regionalizados que englobem vários municípios.
Ações como esta, complexas, não podem ser desenvolvidas por
“canetadas”, sendo recomendável a criação de um fórum envolvendo as
entidades da área da educação (sindicais e acadêmicas) para que as propostas
sejam moldadas a várias mãos.
A qualidade negociada é implementada pela avaliação institucional
da escola, a qual é um processo que deve envolver todos os seus
atores com vistas a negociar patamares adequados de aprimoramento,
a partir dos problemas concretos vivenciados por ela. Se a avaliação em
larga escala é externa, a avaliação institucional é interna à escola e sob
controle desta, ao passo que a avaliação da aprendizagem é assunto preferencialmente
do professor em sua sala de aula.
A avaliação institucional deve levar à apropriação da escola pelos
seus atores no sentido de que estes têm um projeto e um compromisso
social, em especial entre as classes populares, e, portanto, necessitam,
além deste seu compromisso, do compromisso do Estado em relação à
educação. O apropriar-se dos problemas da escola inclui um apropriarse
para demandar do Estado as condições necessárias ao funcionamento
da escola. Mas inclui, igualmente, o compromisso com os resultados
dos alunos da escola. Foi a este processo bilateral que chamamos,
antes, de “qualidade negociada”.
Com a avaliação institucional, o que se espera, portanto, é que o
coletivo da escola localize seus problemas, suas contradições; reflita sobre
eles e estruture situações de melhoria ou superação, demandando
condições do poder público, mas, ao mesmo tempo, comprometendose
com melhorias concretas na escola.
Uma boa avaliação institucional terá conseqüências positivas para
o ensino e a avaliação da aprendizagem em sala de aula, cuja prática é
de responsabilidade do professor. Entretanto, por mais que seja uma
responsabilidade e uma criação da professora, esta ação deve integrarse
ao projeto político-pedagógico da escola, elaborado pelo coletivo escolar
– base também da avaliação institucional.
A avaliação institucional deve, portanto, ser o ponto de encontro
entre os dados provenientes tanto da avaliação dos alunos, feita pelo
professor, como da avaliação externa dos alunos, feita pelo sistema.
Num processo de auto-avaliação, a escola deverá levar em conta todas
estas visões (cf. Sordi, 2002).
A avaliação em larga escala de redes de ensino precisa ser articulada
com a avaliação institucional e de sala de aula. Nossa opinião é que
a avaliação de sistema é um instrumento importante para monitoramento
das políticas públicas e seus resultados devem ser encaminhados,
institucional, ela possa usar estes dados, validá-los e encontrar formas
de melhoria. A avaliação institucional fará a mediação e dará, então,
subsídios para a avaliação de sala de aula, conduzida pelo professor. Entretanto,
sem criar este mecanismo de mediação, o simples envio ou a
disponibilização de dados em um site ou relatório não encontrará um
mecanismo seguro de reflexão sobre estes. Os dados podem até ter legitimidade
técnica, mas lhes faltará legitimidade política. Vamos, novamente,
esquecer de “combinar” com as professoras os acordos entre o
MEC e os municípios, afastando-as do processo?
Os três níveis de avaliação (sistema, escola e sala de aula) devem
estar trabalhando articuladamente e segundo suas áreas de abrangência.
Não se deve pedir à avaliação de sistema que faça o papel dos outros
níveis de avaliação. Explicar o desempenho de uma escola implica ter
alguma familiaridade e proximidade com o seu dia-a-dia, o que não é
possível para os sistemas de avaliação em larga escala realizados pela Federação
ou pelos estados, distantes da escola. A própria elaboração desses
sistemas pode beneficiar-se da proximidade com a rede avaliada, envolvendo-
a no planejamento da avaliação.11
Qualidade para quem?
A pobreza perambula pelo interior das escolas. Segregada em trilhas
e programas especiais, assiste a seu ocaso à medida que o tempo
escolar passa. Sua passagem pela escola é tolerada.
As professoras de 4ª série estão surpresas pelo fato de a pobreza
ter chegado até elas sem saber as disciplinas escolares. Têm razão de
estar surpresas. Antes, os mais pobres eram expulsos mais cedo da escola,
portanto não chegavam à quarta série. Essa surpresa é, ao mesmo
tempo, um elemento de denúncia da precariedade com que eles percorrem
o sistema educacional. Pusemos a pobreza na escola e não sabemos
como ensiná-la. Nenhum processo de avaliação externo resolverá
isso. A solução equivocada tem sido liberar o fluxo e deixar de
reprovar para esconder o fracasso. Não que a reprovação tivesse sentido,
mas pelo que foi substituída?
Somos contra a reprovação, mas não podemos fazer disso o foco
da atuação das políticas públicas, inclusive porque nem toda reprovação
se dá por causas pedagógicas. Combater a reprovação é apenas uma
redução dos índices de reprovação é necessária, mas não é suficiente.
Mais ainda, dada a composição do IDEB,12 ele poderá estimular no curto
prazo a liberação do fluxo para reduzir a reprovação, regularizando
o tempo de permanência do aluno na escola e aumentando o valor do
IDEB,13 sem que isso necessariamente signifique aumento do desempenho
do aluno.
A mera passagem do tempo não ensina ninguém, a menos que
seja feito algo nesta direção – mas isso, tenhamos presente, custa. Educação
(de qualidade) para todos e cada um é cara. Contraditoriamente, o
IDEB pode aprofundar o ocaso da pobreza e ser conivente com uma menor
qualificação das camadas populares que, apesar de transitarem pelo
sistema (a cobertura está acima de 97%), não aprendem nem são cobradas
pelo desempenho, à espera da eliminação adiada nos finais de
ciclo ou na passagem da 4ª para a 5ª série. Se após esta fase inicial do
IDEB haverá ou não um aumento do desempenho do aluno, isso permanece
no campo dos desejos e do futuro, o qual “a Deus pertence”.
Outras possibilidades estão presentes. As escolas vão querer a pobreza
dentro dela, com o risco de ver seu IDEB piorar? A “responsabilização”
gerará escolas que concentrarão exclusivamente pobres, onde o IDEB não
importa, pois “já se sabe que não dá para esperar muito desses alunos”?
No caso da rede, se um subconjunto de escolas elevar o índice, e este
atingir a pontuação combinada entre prefeito e governo federal, já é
suficiente; as demais continuarão onde estão – provavelmente estas serão
as que atenderão à pobreza, que é guardada na escola para não
incomodar, mesmo que não aprenda. No caso da escola não será diferente,
muda apenas a unidade de análise. Mais ainda, o que fazer
com escolas em que a evasão e a repetência não se dão por causas pedagógicas?
No estado atual, as avaliações de sistema podem terminar ocultando
esta realidade. A pobreza só se torna alvo de reflexão quando as
médias de desempenho começam a cair. Caso a inclinação das curvas
de desempenho seja positiva, em média, o sistema se salva. Mas a pobreza
continua “excluída por dentro” e, de certa forma, a exclusão é
legitimada pela positividade geral das curvas estatísticas.
O que propomos é um modelo alternativo baseado na mobilização
da comunidade local da escola, com a finalidade dupla de comproEduc.
condições para tal. Uma proposta como esta só pode ser
implementada como política de Estado. Governos temem demandas.
O fato é que, para ensinar a pobreza, teríamos de gastar muito
mais com educação, pois ela exige estratégias pedagógicas mais caras,
já que mais personalizadas. Não poderíamos ter o número de alunos
elevado em sala de aula, o que demandaria mais escolas. Não poderíamos
tratar diferenciadamente a pobreza, do ponto de vista metodológico,
deixando-a em trilhas secundárias que a remetem ao nada. Tudo
isso custa. Seria melhor assistir a sua passagem pelo sistema e, por que
não, de certa forma facilitá-la?
Os riscos de ocultação da má qualidade
Em resumo, não somos contra a existência de avaliação externa.
Não somos contra, igualmente, a existência de índices. Mas somos
contra o uso da avaliação externa tendo como pano de fundo a “teoria
da responsabilização” liberal. A responsabilização pressupõe uma
linha direta de pressão sobre os municípios, o que poderá levar a toda
sorte de armadilhas para se obter recursos. Prova Brasil, SAEB e IDEB
devem ser instrumentos de monitoramento de tendências e não instrumentos
de pressão.
O primeiro risco de ocultação da má qualidade vigente é no campo
dos conceitos. Chama a atenção que o MEC tenha optado pelo IDEB
como referência de qualidade. Por que não constituímos uma medição
baseada no custo aluno/qualidade, na qual se levaria em conta uma série
de variáveis que são necessárias ao funcionamento adequado de uma
escola de qualidade? Por que não definimos o que entendemos por uma
escola que tenha condições de ensinar e não criamos um indicador mais
amplo e sensível às desigualdades sociais?14 Há de se considerar ainda
que somente língua portuguesa e matemática são medidas nos testes.
Mas a escola é mais que isso. Há uma discussão a ser feita, ainda: Que
tipo de escolarização está sendo oferecido às crianças? O que estão medindo
os testes nas avaliações nacionais?
Em segundo lugar, há risco de ocultação da má qualidade ao se
lidar com a proporção de aprovados na fórmula do IDEB. Como já dissemos,
aumento de aprovados não é o mesmo que aumento da aprendizagem.
uso da média como referência.16 O IDEB não deixa de ser baseado em
uma proficiência média da escola ou da rede. O uso da média como
referência e sua variação ao longo do tempo não significam que houve
melhoria para todos. Se um grupo de bons alunos for melhor ainda,
a média subirá, mesmo que os piores continuem onde sempre estiveram.
Ainda sobre esta questão, ouçamos a experiência internacional
sintetizada por S. W. Raundenbush (2004, p. 36): “A legislação [No
Child Left Behind] requer decisões pesadamente baseadas em medidas
de proficiência média da escola (...). Elas são enviesadas de maneira
particular contra escolas que atendem grande número de crianças
pobres”.
Em quarto lugar, há a ocultação da má qualidade pelas metas
distantes. Fixar 2021 como referência retira de foco a melhoria mais
imediata do ensino para todos. Fala-se em nota 6 no IDEB para 2021.
É muito tempo para pouca nota. Necessitamos de ações mais imediatas
de universalização da qualidade. Essa data pode sinalizar que, até
lá, não devemos cobrar o governo federal por melhorias além das previstas
para cada ano. Firmado o convênio, o problema não é mais com
o governo federal – é dos prefeitos ou governadores. Espera-se mais.
Espera-se do governo federal uma política de Estado para o ensino fundamental
e para sua avaliação. Nesta ordem: primeiro a política educacional,
depois a política de avaliação.
A melhoria do ensino, de fato, não vai ocorrer por cobrança a
distância, mas por políticas de Estado que levem a ações locais nos municípios
– entre elas à avaliação institucional das escolas pelo envolvimento
de seus atores. Leithwood e Earl (2000), estudando os efeitos
da responsabilização educacional, chamam a atenção para algumas variáveis
que afetam este processo, entre elas “o poder do contexto e da história
local para explicar as diferenças na implementação e no impacto
dos mecanismos de responsabilização gerais” (p. 16).
Caso não constituamos um coletivo nas escolas que resolva apropriar-
se dos problemas destas, no sentido bilateral de responsabilização
(do Estado e da escola), e não estabeleçamos um elo entre as avaliações
externas e o ensino e a avaliação que o professor conduz em sala de aula,
passando pelo controle social local do coletivo da escola, na forma de
avaliação institucional, sob o olhar atento do poder público, corremos
a eleger os prefeitos, governadores e, é claro, até presidentes.
Recebido em julho de 2007 e aprovado em agosto de 2007.
Notas
1. Basta ver projeto encaminhado ao legislativo propondo o fim da estabilidade do servidor
público: “O governo pretende aplicar regras do setor privado para o funcionalismo público,
eliminando, por exemplo, a estabilidade no emprego (...). As novas regras valeriam
para hospitais e outras áreas como a TV pública, ciência e tecnologia e previdência complementar
de servidores. O governo argumenta que a mudança agilizará a administração e
premiará bons servidores” (Disponível em:
2. Assisti, em Brasília, no Seminário de Educação Básica promovido pela ANPED, em 2006, à
exposição do diretor de Avaliação da Educação Básica do INEP, professor Amaury P.
Gremaud.
3. Quando instados a falar de igualdade de resultados, dizem que ela chegará com o tempo;
por exemplo, um IDEB de 9,9 virá em 2095, tal como a “liberdade, igualdade e fraternidade”
viria.
4. Tese de doutorado em andamento, sob responsabilidade de Rippel (2007), mostra o impacto
predominantemente irrelevante desses processos para os alunos que deles participam.
5. Aos que ainda acham que Bourdieu é um reprodutivista, recomendo que estudem novamente
o autor. Sua categoria “campo” não tem nada de reprodutivista.
6. Proyecto de ley propone subvención a estudiantes vulnerables, gobierno de Chile, 5 jul.
2007.
7. Como demonstrou Biani (2004), estas trilhas podem englobar classes inteiras.
8. Mais de 120 municípios no Estado de São Paulo já fazem isso.
9. Conferir, em
Gremaud, diretor de Avaliação da Educação Básica do INEP.
10. Um dos maiores estudos longitudinais de painel em curso no Brasil é o GERES, que tem a
coordenação geral de Nigel Brooke e a coordenação técnica de Francisco Creso Franco Jr.
11. Um exame mais detalhado destas relações será encontrado em Freitas et al., Avaliação educacional:
caminhando pela contramão (no prelo); ver também Freitas (2003b) e Freitas
et al. (2004).
12. Baseado no tempo de permanência na etapa e na nota (1/T*Nota).
13. Para Francisco Creso Franco Jr., este movimento será possível apenas em um primeiro momento,
tendendo depois a um aumento do desempenho do aluno. Diz o pesquisador: “Em
um primeiro momento, na maior parte das situações, será mais fácil melhorar o IDEB diminuindo
a reprovação (desde que a nota não piore sensivelmente); em seguida, para que o IDEB
aumente, será necessário aumentar a nota” (Disponível em:
Educativa (2004).
15. Este e o fator T na equação do IDEB.
16. O fator N na equação do IDEB.
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