Políticas docentes no Brasil: um estado da arte
Laurizete Ferragut Passos
Professora do Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. laurizetefer@pucsp.br
BERNARDETE
ANGELINA GATTI, ELBA SIQUEIRA DE SÁ BARRETTO, MARLI ELIZA DALMAZO DE
AFONSO ANDRÉ. BRASÍLIA: UNESCO, 2011, 300 p
Cada
vez mais as agendas atualizadas de políticas educativas incluem a
figura do professor e outros temas vinculados ao trabalho docente. No
projeto do novo Plano Nacional de Educação do Brasil - PNE
(2011-2020), a melhoria da qualidade do ensino e a valorização dos
profissionais da educação se apresentam como importantes desafios da
agenda educacional brasileira. É nessa direção que o livro comentado
busca mapear e analisar as políticas docentes produzidas nos
diferentes âmbitos - da União, dos estados e dos municípios - e
focaliza a formação inicial e continuada para o magistério, a
carreira docente e avaliação dos professores; as formas de recepção e
acompanhamento dos professores iniciantes bem como os subsídios
oferecidos ao seu trabalho. O exame das políticas no âmbito em que
são formuladas permitiu às autoras identificar muitos dos seus
pressupostos, direcionamentos e diversidade, além das alternativas
que sinalizam positivamente a equalização das oportunidades
formativas, de carreira e de condições de trabalho, e seus efeitos na
qualidade da educação oferecida pelas escolas públicas aos jovens e
às crianças.
O
livro é resultado de pesquisa abrangente e original e foi
desenvolvido em parceria com a Unesco e o Ministério da Educação, com
o apoio do Conselho Nacional dos Secretários da Educação - Consed - e
da União Nacional dos Dirigentes Municipais - Undime.
As
fontes de coleta para o estado da arte das políticas voltadas aos
docentes incluíram informações e documentos provenientes dos órgãos
gestores das políticas educacionais na esfera federal, nos estados e
municípios, além de informações das instituições de ensino superior
- IES - e outras entidades ou órgãos de pesquisa. Embora os dados
documentais não tenham contemplado a totalidade das redes de ensino
no país, as autoras tiveram o cuidado de coletá-los nas Secretarias
de Educação de estados brasileiros, do Distrito Federal e de
municípios distribuídos pelas cinco regiões do país. Também foram
tomados, como fontes de referência, diversos estudos e pesquisas
nacionais e internacionais sobre os temas em questão. Ainda com a
intenção de aprofundar as análises das políticas docentes e
compreender como têm sido implantadas pelos órgãos executores, foram
realizados 15 estudos de caso, sendo 5 em Secretarias Estaduais de
Educação e 10 em Secretarias Municipais.
Os
dados coletados nos estudos de campo com os gestores ou seus
representantes buscaram esclarecer aspectos relativos às ações da
formação continuada de docentes em exercício na educação básica, bem
como aos apoios para seu trabalho e para as iniciativas de
valorização do trabalho do professor. A representatividade regional e
a relevância, inovação ou abrangência de propostas sobre esses
aspectos foram critérios definidores da escolha dos estados e
municípios em que foram realizados esses estudos. Além disso, foram
incluídas Secretarias de Educação com propostas curriculares apoiadas
em sistemas apostilados de ensino com a intenção de verificar sua
relação com o trabalho docente.
Importante
destacar o cuidado das autoras em relação à coleta de dados do
estudo e ao seu preciso relato. As redes municipais consideradas
foram as que reúnem 150 mil habitantes ou mais, e que se
circunscrevem ao universo de municípios que compõem o Grupo de
Trabalho das Grandes Cidades no MEC. Destaque merecido também deve
ser dado à coleta de informações por meio de busca detalhada nos
sítios eletrônicos alimentados pelas Secretarias de Educação e pelas
instituições universitárias, o que permitiu apresentar os programas e
ações desenvolvidas por esses órgãos. Os sítios do MEC e das suas
respectivas secretarias como as da Educação Básica - SEB - e de
Educação Continuada, a de Alfabetização e Diversidade e Inclusão -
Secadi -, bem como o sítio da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior -Capes -, incluindo buscas no banco de
dissertações e teses, constituíram recursos valiosos para o acesso às
informações. É necessário fazer aqui um alerta sobre a importância
da atualização dos dados desses sítios para as pesquisas.
Para
amparar o debate sobre as políticas educacionais e as questões
relacionadas à formação e ao trabalho docente, as autoras apresentam,
já nos primeiros capítulos, as suas interfaces com o contexto
social contemporâneo de modo a inserir as temáticas na dinâmica dos
movimentos da sociedade. A compreensão de que as políticas docentes
estão profundamente imbricadas com a política educacional mais ampla e
especialmente a que envolve o financiamento da educação e os modos
de gestão do currículo, exigiu uma reflexão apoiada em pesquisadores
nacionais e internacionais. As várias modalidades de avaliação de
sistema em larga escala introduzidas pelo MEC a partir da reforma
educativa dos anos de 1990 e a criação de sistemas similares por
alguns estados da federação são apresentadas de forma cronológica e
problematizadas e indicam seu papel regulador das políticas de
currículo e, em decorrência disso, da prática docente.
A
análise da política de financiamento e da avaliação de sistema
como fatores que têm contribuído diretamente para o processo de
centralização das políticas de currículo permite situar o leitor em
relação ao leque de alternativas ensaiadas pelas políticas públicas
no sentido de reverter as condições de exercício do magistério e
alçar a educação a um novo patamar. É nessa direção que são apontadas
as ações federais que têm contribuído para a consolidação de uma
política nacional de formação docente orientada pela perspectiva da
instituição de um sistema nacional de educação. Esse conjunto de
ações do MEC compõe o Plano Nacional de Formação de Professores da
Educação Básica - Parfor - que busca articular-se com as Secretarias
Estaduais e Municipais de Educação e as instituições formadoras para
ministrar cursos de licenciatura aos que não possuem a formação em
curso superior e já atuam como docentes. Os vários programas destinados
à formação continuada de professores, entre os quais o
Pró-Letramento, o Gestar II e a Especialização em Educação Infantil
que compõem a Rede Nacional de Formação Continuada, agora
redimensionada pelo Parfor, foram também examinados de forma a compor
uma visão da política nacional de formação de professores em
serviço.
As
autoras exploram com propriedade, e sem se esquivar das críticas, um
dos principais instrumentos de execução das políticas do Ministério
de Educação criado em 2006, a Universidade Aberta do Brasil - UAB. Ao
apontar os objetivos da UAB de reduzir as desigualdades na oferta da
educação superior, ainda majoritariamente sob a responsabilidade da
iniciativa privada, e desenvolver amplo sistema nacional de educação
superior a distância, as pesquisadoras sinalizam de forma positiva o
esforço de expansão e abrangência dos cursos de formação de
professores pelo sistema público. Apontam, contudo, as dificuldades a
serem superadas, dentre elas o fato de a expansão nem sempre ser
acompanhada de um diagnóstico seguro e de discussão sobre os
elementos do currículo, abordagem pedagógica e as formas de
acompanhamento e avaliação que atendam às especificidades locais e
dos alunos em formação. Quando destacam o papel indutor dos programas
do MEC com sua forte presença em todos os estados e na maioria dos
municípios e as formas de colaboração entre eles, alertam sobre a
falta de clareza quanto à articulação com as políticas formuladas
pelos mesmos estados e municípios no exercício de sua autonomia.
Também chamam a atenção sobre os frágeis mecanismos de acompanhamento
e controle de execução dos programas, que passam ao largo dos canais
regulares de gestão das administrações estaduais e municipais.
Registram ainda a necessidade de pesquisas de avaliação dos processos
de implementação e do impacto dos programas de formação oferecidos
pelo MEC.
As
ações políticas de formação inicial de professores enfeixam o
conjunto de programas postos em prática pelo governo federal nos últimos
anos, como o Programa de Reestruturação e Expansão das
Universidades Federais - Reuni -, a UAB, o Pró-Licenciatura, Programa
Universidade para Todos - ProUni -, o Parfor, o Programa Institucional
de Bolsas de Iniciação à Docência - Pibid -, bem como pelos
governos estaduais como o Programa Especial de Formação de Professores
para a Educação Básica da Zona Rural -Profir -, no Acre, o Programa
Bolsa Estágio Formação Docente, no Espírito Santo, e o Bolsa
Formação: Escola Pública e Universidade, do Estado de São Paulo.
Ficou evidenciada, pelos dados e pelas análises, uma crise na
formação inicial de professores para a educação básica, tal como
normatizada e oferecida pelas IES, especialmente nos aspectos
relativos à dinâmica curricular, aí incluídos os estágios, tanto nos
cursos presenciais como nos a distância, e à precária formação dos
docentes que neles atuam. As autoras resgatam, no entanto, as
importantes iniciativas de aproximação universidade-escola
estimuladas pelo Pibid do MEC e os dois programas estaduais já
mencionados - o do Estado do Espírito Santo e o do Estado de São
Paulo. Destacam também a preocupação do MEC em relação à formação dos
docentes para os anos iniciais do ensino fundamental e às ações no
sentido de aprimorar os instrumentos avaliativos desses cursos. A
intencionalidade posta em documentos e regulamentações é considerada
alentadora pelas autoras, mas deixa um questionamento sobre a força
política dos gestores na implementação das reais e fortes mudanças
institucionais e curriculares em relação à formação de professores.
A
questão salarial e de carreira dos professores da educação básica
é tratada mediante exames de planos de carreira obtidos junto às
Secretarias Estaduais e Municipais e contempla dados das diferentes
regiões do país. A análise indica que os ajustes em relação ao que
a legislação tem determinado e outras orientações propostas em nível
federal ainda não foram incorporados pelas legislações de vários
estados e municípios. Considera, entretanto, que houve avanços
significativos nos últimos cinco anos e constata uma movimentação em
torno dos planos de carreira nessas duas instâncias. Também indica
que, em relação à cobertura das despesas necessárias à valorização
da docência, é preciso um processo de articulação mais eficaz entre a
União, estados e municípios no sentido de garantir melhorias no
financiamento da educação e de assegurar acordos políticos de largo
espectro.
A
análise das ações políticas dos estados baseou-se sobretudo nos
dados coletados nos documentos oficiais e nos estudos de campo e foi
direcionada a secretarias que possuíam ações voltadas ao
fortalecimento da docência. As autoras destacaram os programas
inovadores desenvolvidos por seis Secretarias Estaduais de Educação
no que se refere às ações de formação continuada, identificando as
características originais e traços recorrentes que informaram as
ações de cada um, indicando os percursos diversos e reconhecendo os
avanços, consideradas as referências analíticas trazidas pela
literatura sobre o tema. Uma indicação desse avanço é o esforço de
algumas secretarias para mudar o modelo de formação continuada e
centrá-lo nas escolas e não em cursos, seminários e palestras.
Os
dados do estudo de campo indicaram que as Secretarias Estaduais e
Municipais analisadas são dotadas de recursos materiais e de
infraestrutura para a realização do trabalho pedagógico, providos em
grande parte pela disponibilidade dos recursos provenientes do Fundo
de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização
dos Profissionais da Educação - Fundeb. Também apontaram que há um
processo de melhor qualificação dos quadros gestores dessas secretarias
e que os apoios didático-pedagógicos oferecidos aos professores
está centrado, em geral, no desenvolvimento de uma proposta curricular.
Os processos de formação continuada como forma de apoio ao trabalho
dos professores mostraram avanços ao privilegiarem ações de
formação focalizadas no desenvolvimento dessa proposta curricular,
embora em sua forma mais tradicional, como oficinas, palestras e cursos
presenciais e a distância. Duas das secretarias analisadas
constituíram exceção a esse formato. As iniciativas das Secretarias
de Educação em relação à política de valorização do magistério,
seja pela socialização de práticas exitosas ou pelo incentivo à
qualificação por meio de bolsas ou afastamento remunerado e a
atribuição de prêmios ou dinheiro aos professores ou à escola com bom
desempenho, foram identificadas e analisadas com ponderações das
autoras, especialmente em relação à concessão de bônus em dinheiro
aos professores. Também foram destacadas iniciativas inovadoras em
relação à política de apoio aos professores iniciantes.
Nas
conclusões, as autoras chamam a atenção sobre a predominância de
ações pautadas pelos resultados das avaliações padronizadas dos
alunos da educação básica, o que representa, segundo elas, um
indicativo de maior mobilização das redes de ensino e de suas
políticas, agora mais focalizadas nos alunos e no direito de aprender.
Isso sinaliza que as formas de condução, controle e avaliação da
atuação docente também passam por alterações.
Um
aspecto importante reforçado nas conclusões se refere à aderência
das propostas entre os entes federados. Corre-se o risco, caso a
aderência não se concretize, de comprometer a sustentação das
conquistas, bem como das possibilidades de desenvolvimento
profissional dos docentes. Também a aderência dos professores aos
modelos de intervenção propostos no interior das redes de ensino
definirá o sucesso das políticas.
A
publicação representa um esforço ousado das pesquisadoras ao
apresentar informações que permitem compreender as atuais políticas
docentes do país, seus avanços e aspectos que demandam maior atenção
dos gestores públicos. O livro vem preencher uma lacuna na discussão
sobre as atuais políticas de formação docente e seus processos de
implementação. A obra constitui uma referência valiosa para
pesquisadores, gestores, professores e futuros docentes e para aqueles
que se dedicam ao estudo das políticas públicas.
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